Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 19 de agosto de 2005

Terra dos Mortos

Assisti a "Terra dos Mortos" e tenho que dizer duas coisas a vocês: a primeira é que George Romero, o diretor do filme, continua muito... George Romero.

Como uma criança que constrói um castelinho na areia e vê ali n possibilidades de brincar, Romero vê nos mortos-vivos, sua maior (e possivelmente única) contribuição à história do cinema. Alguns devem ter se perguntado: e porque outro filme de mortos-vivos? Então respondo: e porque não? Mas claro que essa resposta com certeza não foi a que Romero daria. Ele deve ter sido mais objetivo. Quando alguém perguntou à ele o porquê de outro filme com zumbis, ele deve ter simplesmente respondido: “por que eles evoluíram.” Sim, a criança quando enjoa do castelinho de pura areia, tenta diversificar a brincadeira acoplando alguns elementos novos, como bonequinhos de plásticos e bandeirinhas. A “evolução” é esse novo elemento que Romero acrescenta para diversificar sue castelinho.

Mas, a evolução de quê? Dos zumbis, claro! "Terra dos mortos" começa passando pequenos takes da sociedade sendo tomada pelos mortos que andam. Ninguém sabe de onde vieram nem como começou, sabe-se apenas que quando eles mordem alguém, essa vítima, dentro de aproximadamente uma hora, se transforma em um demente zumbi. Essa “ética” dos mortos amaldiçoados já é por demais característica de Romero e foi adotado em tantas outras obras sobre o tema. Se quiser saber mais, vide a crítica de "Extermínio" (2002) ou vá pesquisar na net pra enriquecer sua ”zumbilogia”.

Então, com o mundo tomado por tais bizarras criaturas, os humanos se organizaram em cidades fortificadas. Constantemente patrulhadas para proteger aquilo que é de mais importante. Você deve estar pensando que o mais importante para se proteger nesse caso seria obviamente os humanos. Bem, se você pensou isso, acertou. Pelo menos em parte. Essas cidades realmente são constantemente vigiadas para proteger os humanos. Os humanos RICOS. Porque os pobres vivem à margem da cidade em condições deploráveis. No entanto, de uma certa maneira tudo está sob controle. Se não fosse um porém: dentro desta casta de “marginalizados” há aqueles que prestam serviços para os ricos coletando suprimentos nas zonas tomadas pelos monstros e se desfazendo do lixo. São pessoas que mantém contato com a elite alienada e com seu modo de vida – quase totalmente desligada da situação catastrófica do mundo está sendo dominado por mortos-vivos. Sendo assim, elas ficam expostas pelo grande mal que assola aqueles que sempre querem mais do que podem ter: a corrupção.

Toda essa intriga entre os humanos, tão comuns nas metrópoles atuais, se torna peculiar por um motivo – é aí que se tem que voltar ao elemento diversificador citado anteriormente. Deixe-me ser mais claro. A turma dos suprimentos tem que sair da cidade para coletá-los, logo, eles também são as pessoas que mais mantém contato com a vida fora das cidades – isto é, com o mundo dos zumbis. E eles curiosamente percebem que os zumbis, tentando imitar a vida normal dos humanos, acabam contraindo uma capacidade de raciocínio que vai se desenvolvendo rapidamente. Em português: o morto-vivo que antes só andava lerdamente bradando um assustador “ââââhhh”, agora aprende a manejar os objetos em prol da causa.

Repare: nessa película, tirando Dennis Hopper (Waterworld, O Segredo das Águas – 1995) e John Leguizamo (Romeu + Julieta – 1996), não se vê muitos rostos conhecidos – pelo menos pra mim. O principal, um tal de Simon Baker parece se sentir seguro e dá conta do recado. O zumbizão mor é que não mostra pra que veio. Ele é a matriz da manifestação da evolução entre os monstros, no entanto, cada vez que está para aprender uma coisa nova, parece que ocorre uma absorção de funcionalidade que em um gemido ele capta pra que determinado objeto serve – os behavioristas devem ter adorado a idéia.

Tudo isso com baixíssimo teor de romance e insinuações sexuais. Mas, para equilibrar o nível de sustos a moda antiga (música de suspense – pouco movimento – música de suspense alta – cara feia) é deliciosamente exagerado.

Lembro que quando fui ver "Terra dos Mortos", uns dois colegas disseram que ia perder tempo e dinheiro. ANTES, fui ver "A Fantástica Fábrica de Chocolate" (2005) por insistência de uma colega e no lugar acabei testemunhando a pior refilmagem já realizada na história (pudera ter sido feita por Tim Burton). Então, pra balancear, teimei e fui ver "Terra dos Mortos". Pasmem! Diferentemente da Fantástica Fábrica, o ingresso de "Terra dos Mortos" pagou a diversão. Essa é a segunda coisa que tenho pra dizer: em termo de cinema, não escute seus colegas.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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