Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 30 de março de 2005

The Eye – A Herança

A intenção de se levar apenas susto e trazer aqueles efeitos especiais de terror, não são o forte do filme. A tensão causada em certas cenas merece muito destaque. Esse é o propósito, causar angustia e tensão.

O cinema norte-americano vem, ultimamente, mostrando uma tendência em fazer novas versões para os filmes japoneses. Modismo ou não, é uma nova concepção de se fazer filmes de terror em Hollywood. Assim ocorreu com O Chamado, O Grito e O Chamado 2. Será que as fórmulas “japonesas” ou “orientais” de roteiros nesse estilo de filme estão agradando ou será que o público “adorador de cinema” já está saturado de sempre ver um filme de terror que tem como um único propósito o susto e nada mais?

A Herança (The Eye) nem é japonês nem norte-americano. É um filme de Hong Kong, dirigido pelos irmãos gêmeos Chun Oxide Pang e Danny Pang, que tentam levar a sério o gênero horror num território não tanto explorado como o do lugar em que vivem. Não é fácil ter credibilidade quando não se tem a patente de Hollywood em matéria de filmes “sérios” nesse gênero.

A Herança conta à história de Mann (Lee), uma jovem de 20 anos, cega desde os dois, que, para recuperar a visão, se sujeita a um transplante de córneas. A operação é bem sucedida e Mann tem que adquirir a capacidade de distinguir as pessoas e objetos em seu redor. A moça passa a ver sombras e figuras que ela pensa ser ainda a sua visão tentando se adaptar, entretanto o que ela vê não pertence a esse mundo. No começo, tudo é confuso, mas depois Mann percebe que as pessoas e coisas que ela vê são sobrenaturais. O seu médico não a leva a sério, preferindo acreditar que o problema é emocional ou um mero efeito secundário da operação que, mais cedo ou mais tarde, irá desaparecer. Mas, à noite, no hospital, a jovem vê pacientes a abandonarem os quartos, sem esperarem pela alta médica, acompanhados por figuras negras e de traços distintos. Outros, agonizando sua morte. Em casa, continua a ser atormentada por sons e imagens, que aparecem e desaparecem, sem aviso prévio.

Histórias de pessoas que vêem gente morta e coisas do além não são novidade. Algumas pessoas dizem que A Herança se assemelha ao filme Sexto Sentido. Não tomo como semelhança apenas o fato de haver uma pessoa com o dom de enxergar o sobrenatural. As histórias são diferentes e, além do mais, A Herança tem toda uma filosofia oriental, relacionada ao assunto de videntes e à angústia das pessoas que morrem e ainda continua neste plano de vida. O meio histórico e a cultura se fundem nesse roteiro. Este é um filme que, apesar de ser do gênero horror, ainda é poético.

A intenção de se levar apenas susto e trazer aqueles efeitos especiais de terror, não são o forte do filme. A tensão causada em certas cenas merece muito destaque. Esse é o propósito, causar angustia e tensão. O terror psicológico é presença marcante em A Herança. A fórmula é diferente da usada nos filmes norte- americanos. Os efeitos especiais, a trilha sonora, a fotografia, nos levam à uma atmosfera contrária ao estilo Hollywood. Muitos podem achar um filme fraco justamente pelo esse motivo de não ter o sensacionalismo das películas ocidentais. Os diretores não se preocupam em fazer cenas de angústia fundamentadas apenas em efeitos visuais. Não há cenas de choque e nem sustos desnecessários. Tudo tem uma fundamentação para estar ali. O suspense é criado mais pela situação em que vive a personagem de Mann, e pelo que a atormenta.

A Herança é um filme para ser apreciado em sua língua original, nada de dublagem, pois muito da tensão do filme se perde no som dublado. O som original nos transporta a uma dimensão desconhecida na proporção em que a tensão aumenta. A língua falada no filme é o Cantonês, com presença do Mandarim e do Tailandês (o filme foi rodado em Hong Kong e na Tailândia). As atuações não são de muita excelência. Com exceção da protagonista, que faz direitinho seu papel e de alguns outros, as interpretações deixam a desejar. Entretanto, o suspense e o terror não se perdem por esse motivo, até mesmo porque o foco principal se concentra na atriz Angélica Lee Sinje (Mann), que consegue passar o terror que vive sua personagem. Com o título original Gin Gwai, A Herança esteve competindo na Seleção Oficial Fantàstic, em Sigtes, no qual obteve o prêmio de Melhor Fotografia. O filme pode ser encontrado em DVD.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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