Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Lulli (Netflix, 2021): quando a receita dá muito errado

Apesar da protagonista famosa e história simples, "Lulli" se perde por não entregar o mínimo nem mesmo para o público fiel das comédias românticas.

A Netflix percebeu uma demanda frutífera em um público apaixonado por comédias românticas e resolveu preencher esse espaço. Tanto que, atualmente, o catálogo da plataforma é sinônimo de muito material para esses espectadores. Porém, é preciso admitir que a produção de filmes desse gênero vem seguindo uma espécie de linha de montagem cada vez mais genérica, que busca sempre reaproveitar ideias que já fizeram sucesso anteriormente. “Lulli”, novo longa protagonizado por Larissa Manoela para o streaming, não foge a essa regra, nos fazendo questionar até quando obras como essa seguirão sendo produzidas apenas para preencher a estante dos “filmes para desligar a mente e relaxar”.

Essa categoria tem parâmetros bem definidos, e “Lulli” se encaixa em praticamente todos eles: curta duração, narrativa com três atos muito bem definidos, protagonista famoso (neste caso bem mais fora do âmbito do cinema) e, principalmente, uma história de fácil compreensão. A personagem-título é uma estudante de medicina que sonha em ser uma grande cirurgiã e sempre precisou lutar e correr atrás dos seus sonhos — mesmo com sua postura por vezes mesquinha e arrogante não condizer com o background proposto pelo roteiro. Tão clichê quanto o próprio filme é falar que a vida de Lulli foi virada do avesso depois que ela foi eletrocutada por uma máquina de ressonância e adquiriu o poder de ler as mentes das pessoas. A protagonista, então, aproveita as vantagens da nova habilidade para se destacar na faculdade e contornar o término do namoro com Diego (Vinícius Redd), depois que este também foi atingido pelo acidente de Lulli e perdeu as lembranças dos acontecimentos recentes.

A curta duração da obra não é empecilho para que a trama ausente de conflitos e dificuldades para a protagonista encontre uma verdadeira razão de existir. Além disso, Larissa Manoela não consegue dar profundidade alguma a uma personagem que já foi concebida de uma forma quase impossível de gerar identificação com o público. Antes do acidente, Lulli é mostrada como alguém que precisa se esforçar mais que todo mundo para realizar ser a melhor cirurgiã do mundo. Em que mundo alguém com essa descrição seria tão soberba a ponto de diagnosticar um paciente sem ao menos verificar o prontuário do mesmo? E quando a personagem adquire o poder de ler pensamentos, não pensa duas vezes antes de usá-lo sem moderação apenas para proveito próprio — e dos amigos, em determinado ponto. Apesar de tudo, o andamento do filme continua indicando que, no fim, Lulli vai receber uma grande lição de moral, que fatalmente chega, mas nada é construído para sustentá-la ou justificá-la além do próprio clichê do gênero.

Não bastasse a falta de qualquer dificuldade na jornada da protagonista, o roteiro assinado por Thalita Rebouças e Renato Fagundes ainda tenta criar momentos para destacar os vários coadjuvantes em seus núcleos ocasionalmente descolados da trama principal. Só que estes parecem formar um mosaico feito com recortes de arquétipos trazidos das mais variadas obras do gênero, de forma que o filme acaba se transformando em uma colcha de retalhos sem um padrão definido, que se encaixam apenas por conveniência. Salvo poucas exceções, sobretudo as cenas que envolvem a melhor amiga de Lulli, Vanessa (Amanda de Godoi), nada se conecta de fato com o espectador.

Mesmo sendo uma história de fácil entendimento e absorção, o longa caminha do básico ao genérico a passos largos. E apesar de seguir a cartilha de mandamentos das novas comédias românticas da Netflix, “Lulli” nunca mostra de fato a que veio. Sem conflitos para desenvolver a trama, tampouco carisma que sustentasse a obra por si só, o filme não tem o necessário nem mesmo para agradar ao público do gênero, que já é acostumado a relevar muita coisa. Talvez o maior mérito da produção seja marcar o amadurecimento da carreira de Larissa Manoela, que ganha um papel mais condizente com a própria idade e a chance de fazer algo diferente do que vem apresentando até agora. Contudo, este certamente não é um dos trabalhos mais memoráveis da jovem, que mostra ainda ter muito a percorrer no ramo.

Martinho Neto
@omeninomartinho

Compartilhe