Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 29 de março de 2021

Seaspiracy – Mar Vermelho (Netflix, 2021): uma gota de decência em um oceano de corrupção

Documentário de Ali Tabrizi realiza uma série de denúncias direcionadas à indústria da pesca por meio de uma apuração jornalística exemplar.

Em 2013, “Blackfish” colocou uma lupa na crueldade praticada pelos funcionários do Sea World. Após a divulgação da obra, o parque aquático deixou de reproduzir orcas e anunciou mudanças nos shows. É claro que a decisão ainda não foi suficiente, mas o impacto do lançamento foi essencial para denunciar o horror camuflado de espetáculo. Oito anos depois, a caça às baleias e golfinhos continuam em diversas partes do mundo. Em “Seaspiracy: Mar Vermelho”, novo documentário da Netflix, o diretor Ali Tabrizi tenta entender quem financia esse tipo de atrocidade, chegando a uma impressionante rede de corrupção global que sustenta a pesca marítima.

O documentarista sempre teve um ponto de vista romântico em relação à vida marinha, tinha o sonho de explorar os mares e conhecer novas espécies. Entretanto, tudo mudou na pesquisa para seu primeiro longa-metragem, quando se deparou com a quantidade de plástico jogado nos oceanos – atualmente, o equivalente a um caminhão de lixo do material é depositado no mar a cada minuto, juntando-se aos mais de 150 milhões de toneladas que já estão flutuando. O diretor participa ativamente da narrativa, seja como entrevistador ou como narrador. Ele se preocupa em fazer um mea-culpa desde o início por ter conhecimento de que também faz parte do problema, passando assim a correr a atrás da solução, com doações para instituições, limpeza de praias e o uso recorrente de talheres recicláveis. Isso, porém, não foi suficiente.

Ao saber que o Japão iria retomar a caça comercial de baleias na Antártida, apesar da proibição mundial, Ali Tabrizi decide viajar até Taiji, região em que criminosos atraem os animais para o abate no litoral, iniciando assim uma série de descobertas sobre a pesca ilegal. De acordo com o governo japonês, entre 2000 e 2015, a cada golfinho capturado, 12 eram mortos, sendo que não há mercado para a carne de golfinho. Os pescadores matam os animais apenas para controle de pragas, tratando os mamíferos como concorrentes por comerem muitos peixes.

O principal êxito da produção é o trabalho excepcional de apuração feito pelo cineasta, que acaba auxiliando na evolução do roteiro a cada nova informação. As fontes para essas notícias são apresentadas na tela com toda a transparência e dezenas de pessoas foram entrevistadas em diversos países, como Libéria, Escócia, Inglaterra, Tailândia e Ilhas Faroé.

Se por um lado a pesquisa para a obra é excelente, por outro, o tempo que o realizador passa filmando a si mesmo levam o documentário para uma área desnecessariamente artificial. Em diversas oportunidades, ao invés de destacar a cena que foi captada, ele escolhe gravar o seu próprio rosto reagindo ao que está acontecendo. Por mais interessante que seja mostrar que ele correu riscos e está fazendo a sua parte, perde-se tempo de tela sem adicionar nada ao produto final.

Embora seja complexo o trabalho de apuração e as denúncias terem sido feitas, este processo é apenas uma gota de decência em um oceano de corrupção. Em “Seaspiracy: Mar Vermelho”, o diretor não força ninguém a ter a mesma opinião que ele, mas pede licença para apresentar uma solução para quem estiver aberto para aprender mais sobre o tema. Nunca é tarde para abrir os olhos e criar um senso de coletividade.

Fábio Rossini
@FabioRossinii

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