A vida é feita de encontros e desencontros. Alguns desses encontros podem ser duradouros, se tornando uma presença constante por muitos e muitos anos. Enquanto isso, outros podem ser mais passageiros, acontecendo apenas em um determinado momento e lugar e se perdendo em meio aos desencontros da existência. Esses encontros momentâneos, apesar de marcados por sua brevidade, podem ser tão, ou até mais, significativos e profundos do que aqueles que permanecem. Richard Linklater, ao passar por uma experiência como essa, resolveu transformá-la em cinema, escrevendo e dirigindo “Antes do Amanhecer”, o primeiro dos filmes que compõe a trilogia do Antes.

Em um trem a caminho de Paris, Celine (Julie Delpy) é uma estudante francesa voltando para casa depois de visitar sua vó; Jesse (Ethan Hawke) é um jovem estadunidense terminando uma viagem pela Europa e tendo como destino final Viena, uma das escalas feitas durante o trajeto. Embora, a princípio, estejam distantes um do outro, a briga acalorada de um casal alemão faz com que Celine troque de lugar e se sente perto de Jesse. Os dois se olham, começam a conversar, flertam, percebem a conexão que possuem um com o outro, e, por isso, decidem descer juntos em Viena. Passam a noite caminhando pela cidade até que Celine tenha que embarcar no trem de volta para Paris e Jesse tenha que embarcar no voo de volta para os Estados Unidos.

O que sucede o encontro dos dois são cerca de 100 minutos da mais pura verborragia – porém, da melhor forma possível. O estoque de assuntos parece ser inesgotável, cobrindo temas que têm sido cada vez mais abordados pelas últimas duas gerações (amor, sexo, feminismo, relações familiares, o papel do homem e da mulher na sociedade, etc.) e que provavelmente deixariam o sociólogo Zygmunt Bauman bastante orgulhoso. Tudo isso é dito através de diálogos afiados, pertinentes e reais, que conseguem se relacionar com cada um desses assuntos com a profundidade que lhes é devido, sem se encostar em clichês e frases feitas.

Esses diálogos, além de bem escritos, funcionam como uma ferramenta fundamental na construção dos protagonistas, que são colocados como pessoas sensíveis, de fácil identificação e a par do mundo ao seu redor, o que torna conhecê-los ao longo do filme um processo muito prazeroso. Além das conversas, é interessante perceber como essa construção é feita a partir de suas nacionalidades: ela, francesa, é a idealista, sonhadora, que deseja amar e ser amada; ele, estadunidense, é o pessimista, mais pé no chão, que vê o casamento como uma instituição falha. Assistir a duas personalidades tão distintas se mesclarem em meio aos seus pensamentos e filosofias abastece o longa de uma singularidade própria, o distanciando de qualquer romance realizado antes ou depois de seu lançamento.

Ethan Hawke e Julie Delpy parecem ter entendido essas duas personas perfeitamente, utilizando sua linguagem corporal para marcar cada uma das cenas que protagonizam. Desde os olhares trocados no momento em que eles se conhecem no trem, até a tensão de seus corpos quando os dois se encontram lado a lado em uma cabine de música (que, aliás, é uma das cenas mais marcantes), até a concretização do tão esperado beijo entre os dois, são trocas orgânicas. Elas possuem a dualidade de tanto serem copiosamente pensadas para melhor desenvolver os personagens e sua relação quanto conseguirem ser construídas de maneira genuína e espontânea. São também nessas trocas que o melhor do trabalho de Linklater como diretor aparece, e suas escolhas (o ângulo frontal quando os dois estão próximos e o uso de pouca música, por exemplo), quando ligadas às atuações de Hawke e Delpy, fazem com que, assim como as mais belas relações, o filme seja sobre afeto e tudo aquilo que é dito ou não dito.

Apesar de a narrativa contar o enredo de Jesse e Celine, há um terceiro personagem que acaba se colocando como um protagonista tão importante quanto o casal: Viena. A cidade serve como pano de fundo do romance e preenche a tela com lugares belíssimos e inesquecíveis, além de proporcionar encontros inusitados com pessoas insólitas (a cartomante e o poeta terminam por se tornarem tão memoráveis quanto Jesse e Celine, apesar da efemeridade de suas aparições). Cria-se, então, por causa da beleza da paisagem e do caráter inesperado das personalidades que ali residem, uma atmosfera onírica. Assim, a realidade proveniente dos diálogos é equilibrada ao se misturar com a sensação de sonho oriunda dessa atmosfera, estabelecendo na audiência um sentimento de que aquela história está carregada de magia.

Por isso, mesmo depois de mais de 25 anos de seu lançamento, “Antes do Amanhecer” continua sendo relevante. Isso ocorre principalmente por sua capacidade de versar tanto sobre assuntos que permanecem tão latejantes quanto eram em 1995, como inclusive prever discussões que só foram abertas na última década. Além disso, se configura como uma referência cinematográfica e um conto de fadas moderno.