Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Ponto Vermelho (Netflix, 2021): tensão na neve

Rápido, doloroso e sangrento, o filme coloca um casal na mira de um assassino misterioso em meio ao clima inóspito das montanhas escandinavas.

A imagem que abre “Ponto Vermelho“, produção exclusiva que chegou recentemente à Netflix, não é inédita do ponto de vista narrativo, mas nem por isso deixa de ser cruel e impactante. Um homem visivelmente exausto, ferido, coberto de sangue e neve, olha assustado para algo. Corta, então, para uma mulher, também ensanguentada, correndo desesperada pela neve. Sem a necessidade de ler a sinopse, essas informações transmitidas em poucos minutos são suficientes para plantar a sementinha da curiosidade na mente do espectador, alimentar a expectativa pelo que vem a seguir e, acima de tudo, despertar uma empatia imediata por aquelas duas pessoas. Com uma narrativa ágil, sangrenta e cheia de armadilhas, o filme se mostra eficiente em vários momentos, enquanto em outros pesa no sadismo e na forte discussão sobre fazer justiça com as próprias mãos.

Escrito por Alain Darborg e Per Dickson, o roteiro acompanha a jornada de David (Anastasious Soulis), um engenheiro recém-formado, e Nadja (Nanna Blondell), uma aspirante à médica. Namorados, eles decidem começar uma nova vida juntos quando ele a pede em casamento. Após um salto temporal para um ano e meio depois, os dois, já casados, veem os desafios da convivência aparecerem e o relacionamento entrar em crise. Para tentar driblar os problemas do  cotidiano e oferecer uma sobrevida à relação, David propõe a Nadja uma viagem romântica. Grávida e também disposta a salvar o casamento, ela vê com bons olhos a aventura. Porém, em meio ao clima gelado das montanhas escandinavas, o casal passa a ser perseguido e aterrorizado por um assassino desconhecido que promete não descansar enquanto não vê-los mortos. Mas por qual motivo?

Com a carreira feita em séries para a televisão, Alain Darborg traz a agilidade desse formato para sua estreia de alcance mundial. O roteiro passa longe de ideias mirabolantes e os diálogos, que também surgem em pouca quantidade, até flertam com algo mais denso, porém nunca chegam a ser inventivos, a ponto de fazer o espectador se questionar sobre o que está assistindo. No entanto, o que torna o filme uma atração relevante no meio de um vasto menu é a maneira honesta como conduz a narrativa. Condensada em pouco mais de 1h30, a narrativa aposta na atmosfera fria e solitária de uma excursão a dois para as montanhas escandinavas para evocar o clima de suspense no qual os personagens estão inseridos. Soma-se a isso o fato de estarem sendo perseguidos por um antagonista invisível. Apesar de não ser nada de novo, é uma decisão certeira que se mostra envolvente.

Metidos numa atmosfera assustadora, as atuações ganham fôlego ainda que os personagens não sejam dotados de muito carisma. É bem verdade que, até mesmo em filmes clássicos, em que pessoas são atormentadas por estranhos, os mocinhos costumam não apresentar interpretações memoráveis, já que o grande chamariz da trama sempre é o vilão ou descobrir sua identidade caso esta seja oculta. Como casal, falta química entre Anastasious Soulis e Nanna Blondell. Privilegiados pela direção precisa de Darborg, que está constantemente colocando o casal em armadilhas e situações de risco, os atores não tem muito a oferecer além de caras de espanto e incredulidade, fato que contribui para que a torcida pela sobrevivência dos dois, apesar de existir, não seja maior do que o interesse em saber quem é a pessoa que os persegue e por qual motivo ela está fazendo aquilo.

Baseado em obstáculos quase mortais causados pelo frio e pela neve, e contando com a introdução de outros personagens importantes que aquecem a narrativa, o desenvolvimento ganha peso e caminha para a construção de um clímax tenso e revelador, no qual a discussão tende a ficar mais dramática e passível de várias interpretações. Outro fator que tende a provocar sensações diferentes no público é o abuso de cenas em que o sadismo impera. Para quem curte sangue, o longa é um prato cheio. Há cenas em que ilustrar a crueldade faz sentido e não incomoda, mas em alguns casos, a busca pela barbaridade se faz desnecessária, ainda mais quando uma das grandes sacadas é imaginar a que ponto o ser humano pode chegar. Ágil, com uma condução eficiente e plot twists impactantes, “Ponto Vermelho” é bom quando foca no suspense, feroz na brutalidade e perigoso quando resolve debater a moral.

Renato Caliman
@renato_caliman

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