Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 01 de fevereiro de 2021

A Ilha da Fantasia (2020): mais um mistério esquecível

Terror da Blumhouse não acerta em nenhum dos ângulos que aborda, numa obra cheia de núcleos e reviravoltas mal executados.

Do mesmo time por trás do terror de 2018 “Verdade ou Desafio”, “A Ilha da Fantasia” segue um grupo de ganhadores de um concurso ao chegarem até uma ilha que promete realizar suas fantasias mais elaboradas, só para revelar que cada um paga um preço alto por aquilo que deseja. Então, o filme se divide em cinco núcleos: Gwen (Maggie Q), que gostaria de ter aceitado uma proposta de casamento que recusou no passado; Melanie (Lucy Hale) se vingando de uma garota que fez bullying com ela na escola; Patrick (Austin Stonewell) vivendo sua vontade de ter participado de uma guerra; J. D. (Ryan Hansen) e Brax (Jimmy O. Yang), irmãos que desejam uma vida regada a festas e luxo, e finalmente Mr. Roarke (Michael Peña), o anfitrião e orquestrador do que acontece na ilha.

Se o resumo da história pareceu conter muitos elementos para resultar em um produto coerente, é porque é exatamente isso que acontece na obra dirigida por Jeff Wadlow e roteirizada pelo mesmo em parceria com Christopher Roach. Chegando perto da marca de duração de duas horas, o filme apresenta cinco histórias enfiadas em uma só de maneira preguiçosa, cada uma delas flertando com um gênero diferente. Dos plots centrais, o que funciona melhor (até certo ponto) é o que envolve a personagem de Lucy Hale, onde a história executa sua proposta de terror desde o início com uma abordagem que remete aos slashers dos anos 80. Porém, no geral o longa mantém um tom destoante durante toda a narrativa. Em certos momentos, alguns núcleos somem durante tanto tempo que quando voltam à tela é possível que o espectador já tenha se esquecido deles ou perdido completamente o interesse. Nem mesmo seu tema recorrente de “cuidado com o que você deseja” é desenvolvido de forma competente, indo pelo caminho mais fácil e clichê quando deveria ser o centro emocional da obra.

O filme de Wadlow promete algo a mais quando as histórias começam a convergir, porém a insistência em tratar a audiência como pessoas incapazes de entender as diversas reviravoltas presentes no roteiro resulta em vários diálogos expositivos que não são necessários. E mesmo com todo esse esforço, o plot twist final não faz sentido algum quando se analisa tudo que aconteceu para chegar até ali: até mesmo um dos personagens expressa como o desenrolar dos eventos é incoerente, o que parece mais uma admissão de Wadlow e Roach, como se reconhecer que seu texto não é forte fosse engraçado, quando na verdade é apenas decepcionante.

O núcleo de comédia não obtém sucesso ao entregar piadas que não causam nem mesmo um sorriso, o drama presente é superficial e o mistério não tem coerência alguma e é desenvolvido de maneira rápida e confusa, quase que para impedir que a audiência pense demais sobre o assunto e apenas aceite aquilo que está sendo entregue. Para piorar, o filme ainda trata seu único personagem gay de forma bizarra e transmite uma mensagem completamente insana sobre o que significa ser um herói.

Existia aqui o potencial para ser contada uma ótima história, mesmo com tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo. Afinal, obras assim já foram feitas diversas vezes de forma eficiente. É uma pena que dois profissionais que já provaram com “Verdade ou Consequência” que não sabem construir boas narrativas de terror, foram os responsáveis pelo filme. Existem momentos satisfatórios entrelaçados na obra, mas todos são rapidamente esquecidos ou não aprofundados. O ritmo, que é bom até certo ponto, se perde completamente no terceiro ato. O longo tempo de tela poderia ter sido facilmente utilizado para fortalecer seus aspectos mais promissores, mas a obra vai sempre pelo caminho mais óbvio, se recusando a entregar algo de valor.

Em relação às performances, a maior decepção é Michael Peña, que foi extremamente mal utilizado. O ator, que normalmente apresenta imenso carisma quando está em cena, aqui parece um boneco de cera, sem trazer emoção alguma para seu Mr. Roarke, o que muito provavelmente é resultado do péssimo diálogo que é relegado ao seu personagem – não tinha muito que ele pudesse fazer sozinho para melhorar a escrita ruim dos realizadores. O maior mistério de todos é como atores competentes acabaram num projeto tão ruim: Maggie Q é a única que apresenta uma boa interpretação, porém sua personagem tem a história mais apagada de todas. Os outros atores são esquecíveis em seus determinados papéis, fator que impede alguma conexão da audiência com os personagens.

Apesar de ter revelações interessantes e potencial para ser bem executado, o filme não faz jus ao que poderia ter sido. Além de ser uma bagunça, “A Ilha da Fantasia” cansa o espectador antes de chegar ao seu terceiro ato, onde abraça com tudo o terror, porém da pior forma possível, entregando jump scares óbvios e não causando medo algum. O que poderia ser um quebra cabeça interessante acabou sendo uma obra que só causa raiva para depois cair completamente no esquecimento.

Lívia Almeida
@livvvalmeida

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