Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 07 de dezembro de 2020

Tio Frank (Prime Video, 2020): sobre a importância de se sentir aceito

Drama com Paul Bettany e Sophia Lillis é um importante e reconfortante filme sobre como o preconceito pode afetar uma pessoa e como é importante se sentir aceito (e se aceitar).

Uma das características que os seres humanos possuem em comum é a constante procura por aceitação. Seja na escola, na faculdade, no trabalho ou na família, o sentimento de não pertencimento pode aterrorizar a vida de qualquer um por tempo indeterminado. Assim, quando alguém não se encaixa nos padrões exigidos pela sociedade, esse sentimento se alastra e é capaz de consumir sua mente. Justamente sobre a procura por autoaceitação e pela aceitação da família que é “Tio Frank“, drama dirigido por Alan Ball e produzido pelo Amazon Prime Video.

Ambientado na década de 1970, o longa conta a história de Frank (Paul Bettany), professor de uma universidade em Nova York que cresceu em uma cidade do interior da Carolina do Sul chamada Creekville. Quando recebe a notícia da morte de seu pai, ele decide dirigir até sua cidade natal acompanhado de sua sobrinha Beth (Sophia Lillis), caloura na faculdade em que Frank trabalha e a personagem responsável por narrar os acontecimentos do filme. Assim como o tio, Beth sempre teve dificuldade em se encaixar em sua família, e por isso se conecta com Frank desde quando era uma pré-adolescente. Então, quando a jovem se muda para Nova York, descobre que o motivo do tio ter se afastado da família é por causa de sua sexualidade. Pelo medo que sente, ele escondeu por 10 anos que está em um relacionamento com um homem, Wally (Peter Macdissi).

Ao longo das cenas, pinceladas do passado de Frank são mostradas e se passa a entender melhor o medo que tanto o corrói, revelando um personagem assombrado pelas lembranças e preconceito de seu pai. Preconceito esse que fez com que o protagonista não se sentisse aceito pela própria família e, principalmente, não aceitasse a si mesmo. Todo esse medo e receio de se abrir para aqueles que estão ao seu redor é interpretado por Bettany com a sutileza e a delicadeza necessária, e o ator britânico entrega uma das performances mais acertadas de sua carreira. Ele não somente consegue encontrar e expressar as nuances e complexidades de alguém que é marcado pela crueldade do preconceito que sofreu, como também consegue fechar uma parceria magistral com a atriz Sophia Lillis (que vem provando ser uma das melhores de sua geração). Os dois tornam essa relação uma de suas partes mais interessantes, mesmo que não seja o foco principal do filme.

Além da dinâmica entre o tio e a sobrinha, o relacionamento de Frank e Wally surge no longa como um respiro no meio de todo o drama principal. Wally, imigrante que veio da Arábia Saudita e que se mudou pelo medo de ser homossexual em seu país, aparece a princípio como o alívio cômico da obra, mas vai aos poucos mostrando sua importância dentro da trama. Ele é o ponto de estabilidade de Frank, a pessoa que o faz se manter de pé apesar de todas as suas dores. Ver um casal homossexual que se ama dessa forma e que se mantém lado a lado apesar de todos os momentos difíceis é reconfortante e um dos aspectos do longa que mostra a importância de uma história como essa ser contada.

Essa história é escrita e dirigida por Alan Ball com elegância, com diálogos ricos em emoção e ao mesmo tempo bem humorados e leve. Sendo assim, a narrativa se comporta de maneira equilibrada, deixando a experiência de assisti-la ainda mais prazerosa. Além disso, sua parceria com o designer de produção Darcy Scanlin e o diretor de fotografia Khalid Mohtaseb proporciona para a obra uma belíssima ambientação, mostrando uma década de 1970 minimalista, limpa e com cores lindíssimas (que se destacam ainda mais nos figurinos). Consequentemente, se produz um sentimento de nostalgia mesmo para aqueles que não viveram essa época.

Com ótimas atuações, diálogos bem escritos e uma boa direção, “Tio Frank” estreia como um dos melhores filmes produzidos pelo Amazon Prime Video até então. Ele deixa inclusive a impressão de que seus 90 minutos sejam insuficientes para contar uma história tão complexa e com personagens tão interessantes. Assim, ele marca como uma obra sobre o que é pertencimento e a importância que é se sentir aceito por aqueles que nos amam, mas, antes de tudo, a importância que é ser aceito por nós mesmos.

Ana B. Barros
@rapadura

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