Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 05 de setembro de 2020

Aggretsuko (Netflix, 3ª Temporada): engraçada, atual e relevante

Mudança no foco pode incomodar alguns, mas continua sendo uma série com muito a dizer sobre o impacto que as pessoas têm umas nas outras.

Da empresa Sanrio, a mesma responsável por “Hello, Kitty”, vem a personagem Retsuko criada por Yeti. Ela é uma panda vermelha antropomórfica que faz parte do time de contadores de uma empresa de negócios no Japão. As pressões sofridas por chefes abusivos e colegas de trabalho intrusivos resultam em tamanho estresse e frustração que a levam a encontrar uma maneira de tentar colocar em ordem o caldeirão fervente de emoções que acumula dentro de si: ir ao karaokê cantar death metal. Essa é a inusitada premissa de “Aggretsuko”.

O nome vem de “aggressive Retsuko” (Retsuko agressiva, em tradução livre). Após os dois primeiros anos em que franquia foi iniciada como uma série de curtas animados, este seriado foi criado com produção da Netflix. De grande sucesso, há também jogos para celular e histórias em quadrinhos.

Escrita e dirigida por Rarecho (que também faz a voz da protagonista quando canta), a produção se vale de sua premissa singular para discorrer sobre os problemas da pessoa comum, que precisa encarar longas viagens ao trabalho e, muitas vezes, um ambiente hostil e insalubre. Com este sendo o verdadeiro foco, qualquer um que precise lidar com rotinas cansativas e pessoas tóxicas no seu cotidiano consegue se identificar e sente vontade de soltar a voz junto com a personagem quando vai ao karaokê.

Esta terceira temporada continua com essa pegada, mas a deixa um pouco de lado para abordar questões mais contemporâneas, como o poder das mídias sociais e a complicada vida das idols, jovens meninas cujas maneiras de agir, falar, se vestir e cantar são pré-determinadas por produtores que procuram comercializar suas imagens. O perigo aumenta conforme se percebe que manter um vínculo emocional com seus fãs faz parte das obrigações, obrigando-as a agirem sempre de modo positivo mesmo quando se deparam com pessoas abusivas e tirânicas. É uma mudança decerto repentina do que a obra se propunha, mas não deixa de oferecer um intrigante comentário sobre a realidade dessas artistas.

A personagem principal começa os novos episódios se viciando num jogo de realidade virtual e acaba gastando rios de dinheiro e se endividando – tudo narrado com ótimas gags visuais –. Logo se envolve num acidente de carro que a leva a conhecer Hyodo, um leopardo produtor de um novo grupo de idols chamado OTMGirls. Devendo ainda mais dinheiro para o felino, ela acaba entrando nesse mundo da música inesperadamente, o que rende boas interações com os novos personagens, mas que deixa Manaka, a líder do grupo, ambígua demais. O roteiro parece que não se decide em momento algum sobre sua índole.

Também acompanhamos Haida, o hiena apaixonado por Retsuko que parece finalmente ter a chance de encontrar amor com a cadela Inui. Seu arco conflitante em lidar com novos e velhos sentimentos é o mais interessante da temporada e a conclusão, embora real, pode ser frustrante para alguns.

O tema fãs obcecados e avessos a mudanças na vida de cantoras que possuem pouco glamour foi explorado de uma forma que pode decepcionar alguns espectadores que se identificam melhor com os sofrimentos da rotina de trabalho da protagonista. Além disso, a maneira como a temporada se encerra parece querer dizer que todo este arco foi um parênteses na história principal, que acabou subdesenvolvida.

A animação é bastante simples, mas tal característica adiciona charme aos animais humanizados através de expressões exageradas de anime que transmitem emoções como poucos, principalmente em momentos de humor. Porém, a série realmente brilha ao tratar sua protagonista como mais uma sofrida assalariada tendo que se submeter a absurdos para poder tocar a vida, levantado a questão sobre valer ou não a pena abrir mão de sua própria dignidade para receber um salário que permita que o indivíduo seja um membro ativo da sociedade. No início do segundo milênio, quando cada vez mais se discute sobre a importância de saúde mental, “Aggretsuko” tem muito a dizer.

Bruno Passos
@passosnerds

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