Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 20 de junho de 2020

After Life – Vocês Vão Ter de Me Engolir (Netflix, 2ª Temporada): a vida continua

Com o protagonista aos poucos renascendo para a vida, a nova temporada adota um tom mais otimista, sem esquecer que o drama ainda é seu carro-chefe.

Desencorajado a viver após a morte da esposa, Tony deu início a um processo de luto doloroso para ele e para os que estavam à sua volta. O jornalista passou parte da primeira temporada distribuindo sinceridade ofensiva e agindo com antipatia contra a maioria das pessoas da pequena Tambury. No entanto, aos poucos foi redescobrindo que a vida continua mesmo que o luto permaneça. Com isso, ao término do cômico e comovente primeiro ano, notamos algumas mudanças no comportamento do protagonista e nos despedimos dele e de seus amigos, esperançosos de que o melhor estaria por vir. E veio. Com o humor mais afiado e mais personagens podendo expressar suas aflições, os novos episódios de “After Life: Vocês Vão Ter de Me Engolir” abraçam uma perspectiva positiva sem esquecer de se aprofundar no drama, seu elemento de grande destaque.

Dessa vez, Tony (Ricky Gervais) decide inaugurar uma nova fase em sua existência: deseja ser mais zen com a comunidade (ir à aula de Yoga com o cunhado comprova sua intenção). Disposto a deixar o lado ranzinza para trás e determinado a ser mais gentil com o próximo, ele continua sua transformação, embora ainda tenha que lidar com a tristeza pela morte de Lisa (Kerry Godliman). Com mais seis rápidos episódios, todos eles novamente escritos e dirigidos por Gervais, a série retoma com o mesmo ímpeto de quando encerrou seu primeiro ciclo e com a promessa de que dali pra frente o espectador veria um homem menos deprimido. Ainda focada nos passos do jornalista em sua peregrinação do bem, a narrativa expande os conflitos dos coadjuvantes, que além de receber mais atenção do roteiro são alvos das boas ações do protagonista.

Alguns enfrentam dificuldades: Matt (Tom Basden), editor da Gazeta de Tambury e cunhado do jornalista, passa por problemas conjugais que o levam inclusive ao consultório do psiquiatra machista (Paul Kaye); Kath (Diane Morgan) continua em busca de um companheiro e aproveita o momento para dar algumas investidas no chefe; e a jovem Sandy (Mandeep Dhillon) ganha mais autonomia no trabalho ao passo que começa a refletir sobre a vida quando uma notícia triste vem ameaçar o presente. Enquanto isso, outros vivenciam sua felicidade: Roxy (Roisin Conaty) e o Carteiro (Joe Wilkinson) iniciam um romance – totalmente improvável entre renegados pela sociedade, mas tão cheio de graça e afeto que daria um ótimo spin-off; e Lenny (Tony Way), June (Jo Hartley) e James (Ethan Lawrence) constituem uma família feliz, unida pela paz e pela vontade de comer.

Mesmo contando com um elenco robusto para uma série com capítulos tão curtos, Ricky Gervais consegue manipular habilmente a narrativa para que todos tenham suas histórias contempladas pelo roteiro. E o público pode tanto notar como sentir já que, além da trama central permanecer interessante e comovente, os subtextos ganham relevância ao serem emancipados pelo argumento. A produção propõe uma simples, mas eficaz inversão de papéis cujo resultado é significativo. Antes confrontado por diálogos e ações otimistas de seus parceiros de cena que tentavam amenizar o processo do luto, nessa segunda temporada é o personagem principal que recebe a missão de levar esperança aos coadjuvantes, ainda que durante as dinâmicas o humor ácido característico se faça presente e certeiro.

Prova de que uma ótima história não precisa de muito tempo para ser bem contada, sobra espaço para a narrativa também discutir outros temas sérios de maneira elegante e sincera (solidão, transfobia, cirurgia plástica e a  desmistificação de que a velhice nem sempre deve ser enxergada como uma bênção), que se apresentam nas coberturas jornalísticas de Tony, Sandy e Lenny. Outra vez guiada por uma trilha sonora tocante e pontual, assim como dirigida com naturalidade, “After Life” sobe o nível em relação à temporada anterior e mantém crescente o entusiasmo atribuído a ela. Sendo perfeitamente ditada por doses de humor pungente e um drama cortante do qual o protagonista parece indeciso ao sair, ele sofre mais uma enorme perda em sua jornada, mas por outro lado, a vida lhe oferece outra oportunidade para ser feliz. Uma série que permanece linda, reflexiva e enternecedora.

Renato Caliman
@renato_caliman

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