Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 30 de abril de 2020

Ricos de Amor (Netflix, 2020): a riqueza do clichê

Nova comédia romântica nacional da Netflix traz uma velha fórmula aliada a temáticas atuais para oferecer um belo exemplo de filme leve e divertido.

Independente do seu gosto, é fato que ler uma crítica sobre comédias românticas traz a certeza de ver os termos “clichê”, “leve/divertido” e “você vai gostar, principalmente se for fã do gênero”. “Ricos de Amor”, novo representante brasileiro do gênero no catálogo da Netflix, não foge dessa regra. Mas, por que não tentamos ir um pouco além?

O filme dirigido por Bruno Garotti (“Cinderela Pop”) apresenta a história de Teto (Danilo Mesquita), filho de um empresário bem-sucedido conhecido como “O Rei do Tomate”. Ele leva uma vida de playboy até completar dezoito anos, quando decide apostar com o amigo de infância Igor (Jaffar Bambirra) que é capaz de conseguir uma vaga na empresa do pai só com os próprios méritos, e não pelos laços de sangue. Nesse meio tempo, ele conhece Paula (Giovanna Lancellotti), uma estudante de medicina acostumada a lutar por sua própria independência. Para conquistá-la, o protagonista finge ter crescido pobre e acaba causando muita confusão pra todo mundo.

Vemos de forma extremamente clara o clichê (bingo!) da pessoa rica que esconde a fortuna pra conquistar a pessoa pobre, que não conhece a figura do rico e isso seria uma demonstração de amor verdadeiro, sem interesses. Porém, diferente do puro lugar-comum, aqui temos uma nuance bastante interessante com relação ao sentimento de autoaprovação de Teto. O jovem se sente impelido a provar o seu valor o tempo todo, seja no romance, seja no trabalho. Isso mostra também como ele é desapegado dos bens materiais, ainda que seja por nunca ter lutado de verdade para conseguir tudo o que possui. Se por um lado isso pode ser visto como negativo, por outro acaba contribuindo com a evolução do personagem ao longo do filme.

Aliás, a constante provação do protagonista se encontra com uma temática bastante relevante atualmente: os privilégios. A narrativa consegue expor de forma leve (bingo!) o quão injusta é a competição entre alguém privilegiado e alguém sem as mesmas regalias. Por vezes, nós nos vemos em situações em que possuímos vantagens e sequer percebemos que estamos distantes dos reais problemas da sociedade – seja em relação a dinheiro, parentes influentes, conhecimento de pessoas importantes… a lista é imensa. Se colocar um pouco na pele de quem realmente necessita não faz mal a ninguém, especialmente nos dias de hoje.

Outro tema que igualmente aparece, embora não tão explorado, é o assédio no ambiente de trabalho. Notamos o quanto Paula sofre devido ao médico responsável pelo seu estágio como ela se mantém calada para evitar qualquer prejuízo em sua futura carreira. O assunto não está no filme para render situações engraçadas, mas sim para nos fazer sentir nojo de quem o pratica, assim como desenvolver qualquer anseio para que façamos algo a respeito. E quanto a isso o serviço prestado à sociedade é bem feito e muito bem-vindo. 

Não há como não elogiar o carisma do elenco – mesmo sendo algo esperado em comédias, se os atores não estão no ponto, a obra tem tudo para fracassar. Surpreende que a grande maioria dos personagens possuem traços de personalidade fortes e bem definidos, e todos são muito agradáveis de ver em tela. Além disso, quando colocados em grupos (de amigos ou casais que vão se formando), funcionam numa dinâmica ainda melhor, deixando aquele quentinho no coração de quem assiste – não estava no bingo, mas essa aparece sempre também, hein?

Como vimos antes, o plano de Teto é sim um grande clichê. Mas o desenrolar da trama vai escalando de um jeito que consegue nos deixar inquietos de tão ansiosos para saber onde tudo aquilo vai parar. O filme não inova tanto, também não é o próximo clássico cult, apenas é divertido (bingo!) e fornece uma bonita mensagem no final, que funciona ainda mais em momentos quando precisamos renovar nossa fé nas pessoas. Faltou alguma coisa? Ah, claro. Vale muito a pena assistir “Ricos de Amor”, especialmente se você for fã desse gênero tão amado das comédias românticas! 

Martinho Neto
@omeninomartinho

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