Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

O Melhor Verão das Nossas Vidas (2020): pior dia de algumas vidas

Nova comédia brasileira aparenta ter vivacidade e uma linguagem espertinha, mas se revela uma obra pobre de dramaturgia e personagens.

O verão costuma ser uma estação do ano considerada convidativa em virtude das belas paisagens da natureza. Em compensação, o inverno pode ser encarado como algo diferente por conta do tempo fechado mais melancólico. Eventualmente, também se diz que as ocasiões felizes passam com grande velocidade e as tristes se arrastam interminavelmente. Contraditoriamente com seu título, são as sensações mais negativas citadas que tomam conta de “O Melhor Verão das Nossas Vidas“. A comédia dirigida por Adolpho Knauth não faz jus ao seu nome por ter uma história carente de uma narrativa que sustente roteiro e personagens frágeis.

Tudo tem início quando as três amigas Giulia, Bia e Laura se classificam para a final de um festival de música. Porém, elas descobrem que estão de recuperação na escola e precisarão assistir às aulas no princípio das férias. Decididas a realizar o sonho de se tornarem cantoras, elas buscam comparecer ao evento sem que os pais saibam, contando com a ajuda do colega Julio e do tio dele Denis. Não demora muito para que se perceba que parte considerável do elenco não atuou antes, a começar pelo trio principal interpretado por Giulia Nassa, Bia Torres e Laura Castro, que formaram o grupo BFF Girls após terem participado do programa televisivo “The Voice Kids“, e pelo músico Théo, vivido por Murilo Bispo, que também teve a mesma origem musical. Um fato que, posteriormente, se fará perceptível dentro da produção.

A roupagem escolhida pelo diretor dá sinais de que vários elementos estéticos e narrativos possuem pouca função e se revelam apenas artifícios supostamente moderninhos. Nesse sentido, retratar o universo juvenil simplesmente com referências a seu modo de vida já construiria uma ambientação eficiente (o uso de redes sociais e as menções a personalidades como Beyoncé, por exemplo). Entretanto, decidir ir além, com uma montagem que deseja ser espertinha e ágil demais, acaba gerando uma poluição visual sem padrão. Isso é observado nos créditos iniciais em formato de aplicativos digitais; na divisão da tela para mostrar distintas ações simultâneas – até delimitando o quadro com molduras – que caberiam perfeitamente em planos abertos; e nos efeitos sonoros acompanhando rápidos cortes de câmera ou movimentos dos personagens.

Tais fragilidades na linguagem resultam em novas a cada minuto, especialmente quanto à coerência na construção da cena. Enquadramentos despropositados são estabelecidos, por exemplo, para filmar o primeiro encontro das amigas na escola em contra-plongée tornando-as maiores sem razão e uma conversa íntima de Giulia com Théo no festival com uma câmera em deslocamento contínuo. Dessa maneira, o cineasta atrela dinamismo a uma filmagem com muitos cortes abruptos e uma mobilidade frenética da câmera mesmo nos calmos momentos de diálogos. Essa característica parece se inspirar na montagem desenfreada de “Transformers” ou “Bohemian Rapsody” e resta a pergunta “pra quê?”

Por consequência, a caracterização dos personagens não escapa dos clichês ou da falta de esmero. Júlio é tão somente o conhecido nerd deslocado que não consegue falar com as meninas (mesmo o ator Enrico Lima parece ter dificuldades em falar com naturalidade e não despejar o texto memorizado), assim como Helô é a jovem fútil que rivaliza com as protagonistas demonstrando inveja e desprezo por elas (algo utilizado por Giovanna Chaves para justificar os trejeitos de mexer e sacudir o cabelo que reforçam o estereótipo numa pose de superioridade). No que se refere a Giulia, Bia e Laura, falta ao roteiro um instante qualquer que indique a paixão das três pela música e o sonho de ganharem o prêmio, afinal apresentar Laura rabiscando partituras a caminho do colégio não é o bastante. Além disso, elas recebem diálogos expositivos para tentar sempre reafirmar essa paixão artificial e lidar com obstáculos dignos de “white people problems” e “a classe média sofre” que não chegam nem perto do que é sugerido pelas falas.

As mesmas construções vacilantes atingem os adultos, transformando eles em clichês dos pais ausentes ou símbolos da distância emocional dos filhos. No primeiro caso está a família de Júlio, explicada didaticamente para o espectador como se este não conseguisse entendê-la sozinho. No segundo, estão as famílias das protagonistas, que possuem pai e/ou mãe ingênuos dispostos a lançar pérolas de sabedoria constantes. Enquanto isso, Denis carrega no estereótipo do tiozão infantiloide que funciona como alívio cômico simplista de quem, por exemplo, não sabe usar um celular, além de expor a persona de seu intérprete Maurício Meirelles muito mais do que se sustenta como personagem próprio.

Reunindo personagens carentes de maior refinamento, o filme oferece como reflexo uma dramaturgia capenga. Conflitos surgem artificialmente do nada, como a briga entre as amigas e as dúvidas quanto a um relacionamento entre Giulia e Théo, e são resolvidos sem timing porque duram pouquíssimos segundos, como a reconciliação das jovens ou, através de transformações muito abruptas, os desfechos referentes aos pais e à Helô. O mais curioso é constatar a contradição entre as tentativas de soar moderno e vivaz e as passagens de uma grande pieguice datada e ultrapassada, quando alguma cena romântica é filmada com slow motion, durante o luar ou infiltrada por raios solares e uma trilha sonora intrusiva carregada de manipulação, além da abertura que transmite lições morais sobre amor, amizade e verdade.

Fica a cargo das sequências musicais evitar maiores estragos, ainda que as qualidades não sejam tão destacadas assim. Ao invés de ser um aspecto explorado por Adolpho Knauth, algumas canções de letras animadas e envolventes e o trio principal, que se sai melhor cantando do que atuando, se garantem por conta própria. Por falta de apoio na narrativa, as músicas e as performances não conseguem impedir que a sensação passada por “O Melhor Verão das Nossas Vidas” seja de que a estação do ano não recebeu uma obra à sua altura nem um momento digno de ser chamado de melhor.

Ygor Pires
@YgorPiresM

Compartilhe