Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Um Amante Francês (2019): quebra (ruim) de expectativas

A nova comédia francesa lançada no Brasil promete algo até interessante no primeiro ato, porém o desenvolvimento narrativo caminha para um lado não tão inspirado assim.

Um Amante Francês” tem duas metades distintas: na primeira, o diretor Olivier Baroux (“Entre Amigos“) cria uma comédia de situações e reviravoltas inesperadas capaz de frustrar as previsões do público; na segunda, o estilo de humor muda para algo menos atrativo e os conflitos dos personagens se encaminham para uma direção previsível. Por ter dois blocos narrativos tão díspares, o filme acaba se tornando um frankenstein com algumas partes positivas e outras tantas negativas se alternando continuamente.

A história gira em torno do gigolô Alex (Kad Merad), desde muito jovem dedicado a relacionamentos amorosos com senhoras ricas que pudessem sustentá-lo. Após vinte e cinco anos morando com Denise, ele é demitido de surpresa e fica sem moradia. Então, é obrigado a se mudar para a casa da irmã Sarah (Anne Charrier) e do sobrinho Hugo (Léopold Moati). Enquanto precisa aprender a conviver com seus parentes, decide procurar outra herdeira milionária para garantir seu futuro cômodo e confortável. Dessa extravagante combinação entre o cotidiano comum e o universo da “gigologia”, surgem conflitos familiares e identitários.

Nos primeiros minutos, a metade inicial se desenrola quebrando expectativas ao mesmo tempo que apresenta os personagens e o mundo que habitam. O pai de Alex e de Sarah os criou valorizando demais a força do trabalho e é isso que gera consequências trágicas para a família, numa cena de humor absolutamente inusitado; esse fato desperta a incomum reação do protagonista de se tornar gigolô; quando passa a se relacionar com uma ricaça, a narrativa salta diretamente para o futuro em que ele já é um senhor de idade; e a sugestão de que o foco seja a relação com essa mulher é rompida ao logo mostrar o término súbito; Portanto, a jornada de Alex é recuperar a boa vida a que estava acostumado – as sequências em que é bancado e mimado são muito bem humoradas, sendo, por exemplo, incapaz de virar sozinho as páginas de um livro. Nesse sentido, a comédia se fundamenta através das surpresas criadas a cada expectativa não correspondida.

Esse recurso narrativo também aparece na descrição da dinâmica de Alex e do seu melhor amigo Daniel (Pascal Elbé), outro acompanhante de luxo, com suas esposas. Ao passo que, o protagonista procura oportunidades para viver no ócio, no conforto e na riqueza sendo mimado em tudo como uma criança, o colega é forçado a manter uma forma física invejável, fazendo atividades corporais ininterruptamente, para atender aos desejos sexuais da esposa. Assim, as caracterizações dos personagens variam, a partir das atuações de Kad Merad e Pascal Elbé, e o estilo de humor segue essas diferenças sendo mais “pastelão” e exagerado para o primeiro e sutil, melancólico para o último. Apesar das distinções, os dois sujeitos compartilham a mesma opção por uma vida próspera sem esforços e uma postura infantilizada semelhante por não conseguirem serem independentes.

Esteticamente, também há um contraste eficiente para a trama. O primeiro ato possui uma paleta de cores vivas em diversos objetos cênicos e nos figurinos (vermelho, laranja, roxo…) que, não só se complementam do ponto de vista plástico, como também ajuda a construir um humor incomum para a situação em que um cinquentão se comporta como um adolescente e ainda finge ter a mesma sensualidade do passado. Além disso, o cineasta usa artifícios visuais e sonoros com o objetivo de dinamizar a história e estabelecer uma comédia com tons aventurescos e autorais: aproveita a trilha sonora para embalar os acontecimentos, ainda que sobrecarregue os momentos engraçados com acordes espertinhos, e alterna planos de diferentes formatos para ressaltar as discrepâncias entre expectativa e realidade, como o caso da tragédia do primeiro ato filmada em planos fechados, gerais e aéreos.

Na segunda metade, contudo, os acertos perdem espaço para um tradicionalismo previsível dentro do gênero. À medida que a trajetória do protagonista cruza com a da irmã e a do sobrinho, o desenvolvimento dramático assume uma configuração que pode ser facilmente antecipado. Alex e Hugo convivem cada vez mais e seus mundo totalmente diferentes produzem piadas nada surpreendentes, resultantes das “lições” do tio sobre amor e mulheres; o homem também entra em conflito com seus familiares por conta de seu modo de vida; os personagens momentaneamente se separam devido à persistência das suas falhas, especialmente manipular os parentes em benefício próprio; e todos se reconciliam ao final quando o perdão, a tomada de consciência e as transformações pessoais alteram os rumos e as relações daquelas pessoas. Uma receita que não traz inovações, surpresas ou resoluções cativantes para os espectadores que embarcaram em outro tipo de filme anteriormente.

Mesmo que não fossem dadas gargalhadas, a primeira parte possibilitava alguns risos e uma atmosfera cômica contínua. Já na metade seguinte, a comédia abandona a farsa e se transforma em algo menos sutil com piadas simplificadas, como a escatologia de fezes em banheiros infantis, clareamento anal e pessoas babando enquanto dormem. A partir daí, não se tem mais uma ambientação engraçada, mas apenas tentativas forçadas de fazer rir.

Portanto, é de se esperar também que uma obra assim transmita ensinamentos aos personagens. algo clichê e facilmente encontrado em “Um Amante Francês”. Ensina-se que é necessário correr riscos para viver bem, expressar as emoções sem receios e se preocupar com os outros ao invés de reproduzir posturas egoístas. É o tipo de “lição” lugar-comum que, mesmo conservando uma ironia para Alex, deixa um gosto amargo para a quebra de expectativas operada pela narrativa.

Ygor Pires
@YgorPiresM

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