Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 07 de outubro de 2019

Crush à Altura (Netflix, 2019): mais do mesmo

Com mais falhas do que acertos, comédia adolescente não apresenta nada de novo ou de valor para o gênero.

Mais um lançamento da Netflix direcionado ao público adolescente, “Crush à Altura” apresenta a história de Jodi (Ava Michelle), uma garota incrivelmente alta que sofre bullying constantemente por ter um traço tão diferente das outras moças da sua idade. Durante o filme, vemos Jodi se envolvendo num triângulo amoroso ao mesmo tempo em que tenta se sentir mais confortável na sua própria pele.

Quando o trailer da produção foi lançado, virou instantaneamente um tipo de piada pela forma extremamente séria que aborda seu tema principal. Trazendo um conflito diferente do comum como motivo para a personagem sofrer bullying, a trama não consegue segurar todo o peso que coloca em cima disso. Uma adolescente tão alta poderia ser o alvo de piadas constantes, e isso provavelmente faria ela se sentir desconfortável consigo mesma. Mas o filme não convence quando mostra as pessoas do colégio reafirmando a todo momento que ela é feia e fazendo “brincadeiras” extremamente cruéis apenas por causa de sua altura, quando, na verdade, ela é uma garota que está completamente dentro do padrão de beleza americano.

O roteiro de Sam Wolfinson apresenta personagens e situações clichês que são os estereótipos exatos do que se encontra frequentemente em filmes adolescentes. Filmes como “Fora de Série” mostraram como a audiência está pronta para histórias adolescentes com personagens multifacetados e que não se encaixam perfeitamente em tais clichês, mas não é isso que encontramos aqui.

Em “Crush à Altura”, temos a garota malvada que faz de tudo para conseguir o que quer, mas que no fundo é apenas insegura; o melhor amigo da protagonista que na verdade não é amigo coisa nenhuma e que só continua mantendo a tal “amizade” pois tem esperança de um dia conseguir algo a mais com ela; o rapaz popular que é manipulado por todos ao seu redor, sem um pingo de personalidade ou vontade própria; a melhor amiga sem papas na língua que está ali para defender a protagonista dos populares e ser passada para trás em certo momento da narrativa; e a garota fashionista (aqui sendo irmã de Jodi) que é retratada como extremamente feminina e está inserida na história apenas para cumprir seu papel na inevitável cena onde ela vai fazer uma makeover na protagonista que não se importa com a sua aparência, até a chegada de um garoto que desperta seu interesse. Se você acha que sabe exatamente onde todos esses personagens e suas histórias vão parar, pode ter certeza que você tem razão.

O triângulo amoroso é daquele tipo que apresenta interesses românticos tão ruins que é mais fácil começar a torcer para que a protagonista simplesmente fique sozinha. Talvez a pior das relações seja entre Jodi e o citado melhor amigo, Jack. O relacionamento retratado entre os dois é bastante nocivo para a protagonista. Vemos Jack montando situações absurdas onde no final Jodi precisa se desculpar por coisas que passaram longe de ser culpa dela. Depois de mostrar o comportamento dele de “se eu não tenho ela, ninguém pode ter” (algo falado pela própria Jodi durante a narrativa), é prejudicial insinuar para a audiência que algo de romântico e saudável poderia sair disso. A terceira parte desse triângulo, Stig, um aluno sueco que está fazendo intercâmbio e só chama a atenção da protagonista por causa de sua altura, também não tem nenhuma personalidade e é difícil entender como ela sustenta a atração por ele depois de várias atitudes questionáveis do europeu. Para piorar tudo isso, Jodi não tem química com nenhum dos dois.

Toda essa falta de desenvolvimento dos personagens faz com que as cenas do terceiro ato, que deveriam ser comoventes, pareçam apenas bastante forçadas e vazias. Um exemplo disso é quando o roteiro tenta montar uma conversa emocionante entre as irmãs para fazer a audiência se importar com o elo entre as duas, porém tal sentimento não prevalece, pois a irmã de Jodi é retratada apenas como uma caricatura, e não uma personagem de verdade. O mesmo vale para a resolução do triângulo amoroso. O filme não se esforça para investir a audiência durante seus dois primeiros atos, então quando o terceiro chega, é difícil sentir algo por aquelas pessoas.

De pontos positivos temos Ava Michelle, atriz que interpreta Jodi. A estreante consegue entregar uma performance que nos faz sentir certa empatia por tudo que a personagem passa nas mãos dos outros estudantes, e retrata uma pessoa introvertida de forma bastante crível. Os outros atores tentam fazer o melhor com o material fraco com o qual precisam trabalhar. A cinematografia de Eric Alan Edwards usa várias cores fortes de maneira interessante e que combina com a vibe jovem do filme, além de apresentar planos diferenciados para algumas cenas, que normalmente não vemos em filmes do gênero. O primeiro ato apresenta um bom ritmo para a história, algo que não acontece no decorrer do longa: “Crush à Altura” tem 1h45 de duração, mas poderia facilmente ter apenas 1h30, pois existem muitas cenas repetitivas e que não acrescentam nada de valor para a história. A direção de Nzingha Stewart não satisfaz, por ter deixado passar tantas coisas que deram errado, e que em sua maioria poderiam ser facilmente contornadas para algo mais positivo.

Com um desfecho que pode ser previsto muito antes de acontecer, mas que não parece merecido para aqueles personagens pois é retratado de forma apressada, além de uma montagem mal construída e que não causa nenhuma emoção para quem está assistindo, “Crush à Altura” acaba provando que não é uma obra que acrescenta nada de positivo ao gênero. Talvez seja uma boa ideia passar direto por esse lançamento da Netflix.

Lívia Almeida
@livvvalmeida

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