Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 26 de setembro de 2019

O Menino que Fazia Rir (2018): sorrir é preciso

Mesclando comédia e drama, esta singela cinebiografia nos apresenta a infância do humorista germânico Hape Kerkeling, um menino que fazia rir e chorar de emoção.

Baseado no romance autobiográfico sobre a infância do ator, apresentador e comediante alemão Hape Kerkeling, o longa-metragem O Menino que Fazia Rir“, da diretora e co-roteirista Caroline Link (“Exit Marrakech”), é uma encantadora e comovente história de perda e superação, capaz de arrancar risos e até mesmo lágrimas do público. Emocionante sem soar piegas e divertida sem ser tola, a obra transita perfeitamente entre o drama e a comédia, sendo ambos os gêneros igualmente bem dosados em função de uma progressão natural da narrativa.

Aos nove anos de idade, Hans-Peter (Julius Weckauf) vive com sua querida mãe Margret (Luise Meyer), seu irmão mais velho Matthes (Jan Lindner), seu pai Heinz (Sönke Möhring) e seus avós paternos Bertha (Ursula Werner) e Willi (Joachim Król) numa cidadezinha no interior da Alemanha. Ao ter que se mudar com sua família para uma nova região, o jovem necessitará de todo o seu bom humor e talento cômico ao enfrentar as inúmeras adversidades que a vida lhe reserva.

Desde a cena inicial, o roteiro de Link e Ruth Toma (“De Encontro Com a Vida”) se encarrega de estabelecer um forte vínculo emocional entre o menino e a mãe, a quem sempre fez rir. Apesar da ausência do pai, que constantemente viajava a trabalho, nunca faltou amor em seu lar, estando sempre rodeado por membros de sua numerosa família, incluindo suas tias e tios. Nascido neste ambiente acolhedor, o jovem desenvolveu prematuramente sua vocação para a comédia, realizando imitações hilárias no afinco de alegrar seus parentes – sobretudo Margret, que além de sentir saudade do marido também padecia com uma intensa sinusite.

À medida que a trama se desenvolve, o tom bem-humorado estabelecido à princípio se esvai dando lugar a uma súbita melancolia que nos toma de assalto. A essa altura, “O Menino que Fazia Rir”, que até então vinha apresentando um estilo bem mais leve e despretensioso, se compromete a explicitar sua verdadeira mensagem verbalizada logo no início pelo protagonista ao citar seu avô Willi, que ao caminhar trezentos quilômetros a pé para chegar em casa após lutar na Segunda Guerra Mundial passou a lhe dizer: “Tudo é possível se você não desistir”. Por mais clichê e romantizada que tal frase possa soar, dentro do contexto do filme a mesma representa a crença de sempre seguir em frente por mais longo e sombrio que o caminho possa parecer. Uma importante lição, aprendida a duras penas não só pelo menino, mas também depois da guerra por todo o povo alemão.

De certo, apesar da desolação anteriormente experienciada, o terceiro ato serve para nos fazer enxergar que é possível tirar algo de positivo da dor, ao menos para aqueles que se permitem senti-la. Nesse ponto, o enredo explora magnificamente bem tal questão, dando o tempo necessário para o protagonista vivenciar seu sofrimento e, de forma gradual, superá-lo, ainda que parcialmente. Esse maior aprofundamento do personagem adiante contribui para um maior grau de empatia por parte do público, uma vez que, ao nos importarmos verdadeiramente com ele, passamos a apreciar cada piada e imitação com ainda mais intensidade.

Dotada de uma enorme sensibilidade, a direção alterna meticulosamente entre esplendorosos planos abertos nos momentos em que o garoto experimenta certas alegrias da vida – como cavalgar em seu corcel negro – e planos fechados nos fazendo testemunhar bem de perto sua reação de tristeza e desespero ao se deparar com um fatídico acontecimento. Neste aspecto, é necessário elogiar a comovente atuação do estreante ator mirim Julius Weckauf, responsável por transmitir genuinamente seus sentimentos de modo a não parecer artificial ou caricato, erro esse que facilmente poderia decorrer devido a sua inexperiência.

Contudo, “O Menino que Fazia Rir” se sobressai perante a maior parte das comédias biográficas por fazer um uso inteligente e ponderado do elemento dramático sem cair na zona comum da dramédia novelesca, ou do puro e simples besteirol. Emocionante do início ao fim, esta encantadora obra, capaz de fazer tanto rir quanto chorar, apresenta um olhar acurado da diretora a serviço de um roteiro primoroso e de atuações realmente convincentes, em especial do pequeno estreante Julius Weckauf. Ademais, não é necessário que se conheça a história do famoso comediante alemão previamente para poder apreciá-lo, se tratando de um genuíno retrato da incondicional busca humana pela mais autêntica vertente de alegria existente: a compartilhada.

Alan Fernandes
@alanfdes

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