Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 02 de outubro de 2019

A Volta Por Cima (Netflix, 2019): quem oprime os opressores?

O filme francês apela para cenas de adultos agindo como crianças e uma tentativa de plot twist, mas esquece de inserir piadas no roteiro.

Mais uma vez, a Netflix traz em seu catálogo uma comédia com o familiar clima de “Sessão da Tarde”. Dessa vez, a produção francesa “A Volta Por Cima” debate sobre bullying, mostrando adultos agindo como crianças ao reviverem seu passado escolar. O filme conta a história de dois amigos que eram os excluídos de sua classe, mas se tornaram adultos bem-sucedidos ao criarem a própria empresa em parceria na área de TI, deixando para trás os traumas sociais da vida escolar. No entanto, todo o passado volta à tona após saberem que seus antigos colegas se encontrariam em uma festa de reunião de classe. Assim, Pierre-Yves (Ludovik Day) e Jonathan (Jérôme Niel) decidiram participar da festa para se vingar de todos aqueles que os desprezaram e tentar reencontrar amores platônicos do passado.

A proposta do filme é bem simples e os dois protagonistas têm boa química juntos, no entanto o roteiro caminha para que ambos estejam separados em suas próprias tramas em boa parte da narrativa. Enquanto Pierre-Yves quer se reafirmar diante dos antigos colegas de classe a qualquer custo e acaba encontrando oportunidades de tramar sua vingança pessoal contra seus antigos opressores, Jonathan, que só queria uma oportunidade de viver um antigo amor de escola, vai sendo levado à situações fora de seu controle quando o confundem com o cara mais popular da turma.

O roteiro não entrega boas piadas e grande parte do texto e ações dos protagonistas causam desconforto. Nota-se que a intenção do filme é inverter os papéis e pôr os excluídos na função de bullies para culminar em uma lição de moral, e isso conversa com pautas de discussões atuais. Por exemplo, o ambiente nerd, formado por pessoas que costumavam ser oprimidas, hoje é conhecido por ser um ambiente tóxico permeado de haters que se comportam de forma similar àqueles que antes os oprimiam, ou até pior.

A falha na mensagem do longa se deve ao fato de ser muito difícil simpatizar com a mentalidade e atitudes de Pierre-Yves, gerando situações desconfortáveis e que apenas fazem o público ansiar pela entrega de ao menos uma moral que valide a história. Desse modo, o espectador já sabe o caminho que longa quer levá-lo, o que acaba empobrecendo a trama.

“A Volta Por Cima” poderia ter outras formas de alcançar seu objetivo caso o roteiro tivesse se preocupado em fazer, antes de qualquer coisa, o espectador torcer um pouco mais pelas ações dos protagonistas, para então desenvolver gradativamente a sensação de que suas condutas estariam extrapolando o aceitável. Um exemplo onde essa construção é muito melhor trabalhada é percebida no filme “Meninas Malvadas”.

Mesmo com um roteiro fraco e não tão engraçado, o filme incrivelmente consegue cativar até mesmo o espectador que não der uma risada sequer ao longo dos 83 minutos. Isso é resultado de um elenco afinado, com muita presença e capazes de facilmente nos fazer compreender a história e personalidade de cada personagem, mesmo do menor dos coadjuvantes. Os poucos momentos engraçados do longa são mais frutos da expressão corporal dos atores (com destaque aos membros do clube de xadrez) do que de linhas de diálogos bem escritas.

“A Volta Por Cima” está longe de ser uma comédia genial e talvez desperte o riso em apenas um ou dois momentos pontuais, além de um twist um tanto previsível no final. Entretanto, mesmo com alguns problemas, a química do elenco sustenta o filme e o torna agradável de assistir. O saldo final é a adição de mais uma obra mediana no catálogo de filmes “assistíveis” da locadora vermelha.

Tayana Teister
@tayteister

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