Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 09 de setembro de 2019

Peterloo (2018): “esperança é tudo que nos resta”

Drama histórico traz boas reflexões, mas falha ao basear toda a narrativa em diálogos expositivos.

Uma dificuldade que filmes sobre fatos históricos encontram é tentar não parecer uma longa explicação sobre os eventos e conseguir mostrar de forma cativante como eles aconteceram, através de um roteiro que consiga trabalhar os aspectos mais interessantes dos fatos. Infelizmente, “Peterloo” se encontra na pilha dos que não conseguiram esse feito. O filme mostra a história do Massacre de Manchester, que aconteceu na Inglaterra em 1819, quando trabalhadores organizaram um protesto pacífico para ganharem o direito ao voto e representação no parlamento. Com medo das ramificações negativas que a “revolta” poderia trazer para os nobres, os parlamentarem ordenaram as forças britânicas a intervir, o que causou a morte de ao menos quinze pessoas e mais de setecentos feridos.

O aspecto mais forte da narrativa são os paralelos que podemos traçar com o que acontece ainda hoje. Quantas vezes já testemunhamos notícias sobre protestos pacíficos nos últimos anos, que acabaram com atos de violência exacerbada pela polícia ou por grupos contrários? Apesar do massacre ter acontecido há duzentos anos, é chocante o quanto o assunto ainda é bastante relevante.

O roteiro do também diretor Mike Leigh (“Sr. Turner”) peca ao não saber construir uma narrativa envolvente durante as duas horas e meia de filme. Começamos seguindo Joseph (David Moors), soldado sobrevivente da Batalha de Waterloo (que inspirou o nome do massacre de 1819) voltando para casa traumatizado e, na sua chegada, encontrando pobreza e nenhuma oportunidade de emprego. Conhecemos a sua família e durante o primeiro ato vemos como eles se envolveram no movimento que lutava por igualdade, porém durante o filme chega um momento em que o holofote é dado para outros personagens. Quando a família de Joseph aparece novamente, é provável que o espectador já tenha até esquecido que começou a narrativa acompanhando a história do ponto de vista deles.

Ver a perspectiva de diversos personagens (população pobre, parlamentares, criadores do movimento, palestrantes e jornalistas) é em teoria ótimo para mostrar diferentes aspectos ligados à reforma, porém aqui a montagem é feita de forma bastante abrupta. Em alguns momentos certos personagens que tiveram grande destaque simplesmente somem (além da família de Joseph) e a audiência nunca fica sabendo o que de fato aconteceu com eles. Isso pode ser como ocorreu na vida real, porém são nesses momentos que o roteirista precisa saber como adaptar melhor os fatos para fazerem parte de uma narrativa coesa, que faça sentido com o resto da obra e construção dos personagens.

Os parlamentares que orquestraram o massacre são representados com atuações tão risíveis que é difícil de serem levados a sério, até a chegada dos minutos finais quando vemos o que as ações deles implicaram para a população. Existem alguns que não concordam com as atitudes exageradas da maioria em relação à revolta da população, porém nenhuma discussão entre eles é aprofundada, com personagens mudando suas opiniões em questão de segundos sem maiores explicações.

Outro fato que ameaça a imersão na história são os vários discursos repetitivos. Durante os dois primeiros atos, o filme não é nada além de uma série de discursos que, apesar de virem de vozes diferentes, no seu conteúdo, são a mesma coisa. Esse é, talvez, o maior erro do argumento de Leigh, pois é o que mais torna a obra maçante: as cenas onde a narrativa realmente avança quase não recebem a atenção ou tempo de tela devidos. É gritante a necessidade que o filme sente de explicar tudo, palavra por palavra, com medo que a audiência não acompanhe o que está acontecendo, o que acaba tornando a obra apenas mais cansativa. Leigh não consegue fazer a história andar de forma orgânica e sem um número exagerado de diálogos expositivos.

Como se tudo isso não fosse suficiente, a trilha sonora de Gary Yershon não ajuda a obra a fluir com mais naturalidade, apresentando composições que parecem ter saído de um filme de fantasia dos anos 90 e que em nada combinam com o tom do filme. Aspectos positivos da obra se encontram no figurino e ambientação da época, ao lado das atuações do núcleo de personagens humildes, que conseguem transmitir muito bem o desespero que aquelas pessoas estavam sentindo.

Quando o massacre começa, nos vinte minutos finais, é bastante eficiente em mostrar a violência crua e desmedida com a população que estava ali quase que em clima de festejo por estarem todos, incluindo crianças e mulheres (algo não muito comum para a época), juntos para lutar pelo bem comum. Porém, alguns espectadores já estarão se sentindo esgotados quando este momento chegar: antes disso, temos em torno de dez minutos apenas mostrando personagens se apresentando uns para os outros e planos da população aplaudindo os organizadores do protesto. Existem várias cenas que não acrescentam muito à narrativa e que poderiam sair facilmente da montagem pelo bem de um ritmo mais estável.

A maior força de “Peterloo” é mostrar que mesmo se passando anos atrás e em uma época completamente diferente, muitas das táticas mostradas no filme utilizadas por políticos, polícia e oposição continuam até hoje. O valor de reflexão é bastante alto. Só é uma pena que não se possa dizer o mesmo do entretenimento que o espectador poderá ter com a obra.

Lívia Almeida
@livvvalmeida

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