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OPINIÃO   quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Batman: Silêncio (2019): segredos compartilhados

Adaptando uma história de Jeph Loeb e Jim Lee, dois dos mais importantes nomes dos quadrinhos na atualidade, o filme tenta captar momentos marcantes da HQ, mas sofre por não conseguir evoluir além do básico.

Nunca foi fácil decifrar o Batman. Assim como toda a grande criação, sua relevância não demorou para superar a figura detetivesca e (quase) simples, como foi introduzida na sua primeira aparição nos quadrinhos, em 1939. Desde então, o herói já passou por inúmeras mudanças, sempre ampliando seu significado e tornando sua imagem ainda mais mítica. Talvez por isso seja difícil construir uma adaptação que vingue tudo o que o mascarado de Gotham representa. Das incontáveis sagas criadas ao longo de décadas nas páginas das HQs, há uma infinidade de possibilidades, porém, transpor todo esse significado para o audiovisual é sempre um problema para poucos diretores e roteiristas. Talvez por isso as animações da DC funcionem tão bem. E talvez pelo mesmo motivo é que “Batman: Silêncio” tenha se tornado uma adaptação tão interessante.

A trama acompanha o Batman sendo chamado para ajudar em uma operação de resgate de uma criança sequestrada por Bane. Após derrotar o vilão, o dinheiro que seria usado para pagar o resgate é roubado pela Mulher-Gato. Enquanto Batman investiga, ele descobre que tudo não passa de um jogo que irá envolver um misterioso vilão, que se identifica como Silêncio. E para derrotá-lo, o herói terá que lutar contra velhos amigos e compartilhar segredos com antigos inimigos.

Adaptando um dos arcos mais importantes do herói, o roteiro logo no início procura demonstrar que está tomando diversas liberdades, alterando acontecimentos e personagens para não cair em problemas comuns no passado. Trocar o Crocodilo da luta inicial das HQs pelo Bane tem esta função. É importante que o público saiba que a história a ser contada é a mesma, mas algumas mudanças foram feitas – principalmente pelo teor sexista, comum nas histórias em quadrinhos da década de 1990 e começo dos anos 2000.

Aqui, o propósito é introduzir o vilão nas animações da DC, além de recontar uma história importante do arco do herói. O envolvimento cruzado entre Batman e Mulher-Gato, assim como de Bruce Wayne e Selina Kyle, foi responsável por mudar o status quo de ambos personagens nas HQs. Aqui, de modo simplificado, permite trabalhar com outras inúmeras possibilidades nas próximas animações. O filme também opta por trazer acontecimentos posteriores à história original, mostrando que “Os Novos 52” ainda tem um forte impacto para a DC.

Porém, há um sério desinteresse em tentar trabalhar a história com seriedade. A narrativa se foca em desenvolver pequenos momentos que não conseguem construir um todo com o peso digno do personagem. O roteirista, Ernie Altbacker, buscou recortar momentos importantes, entretanto, há pouca preocupação de ligar estes pontos e criar uma história realmente interessante. Isso faz com que esta animação cai no mesmo problema da maioria das adaptações do Batman: a falta de criatividade para explorar a essência do herói e seu universo.

O grande destaque, neste sentido, é o envolvimento entre Batman e Mulher-Gato. A relação dos dois é o único acontecimento que tem um desenvolvimento apresentado e que causa algum impacto na história. Porém, é questionável se o mérito está no trabalho tanto da direção quanto do roteiro, afinal esta foi uma das poucas ideias que estão na obra original e foi mantida quase que intacta na adaptação.

“Batman: Silêncio” é uma obra interessante, que mostra como a DC (ao menos com suas animações) está interessada em ampliar seu próprio universo, fugir da interpretação machista comum do passado e atualizar suas próprias histórias. Quando comparada com outras animações, como o recente “Homem-Aranha no Aranhaverso”, é possível perceber que faltou interesse do estúdio em ampliar as possibilidades do universo do Batman. O resultado é uma obra aquém do grande potencial do herói, mas que possui seu valor. Vindo de uma personagem tão complexa, temos aqui um discreto acerto da DC.

Robinson Samulak Alves
@rsamulakalves

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