Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Os Brinquedos Mágicos (2017): valores orientais em formato reciclado

A animação de Gary Wang reutiliza elementos já conhecidos de franquias hollywoodianas para tratar de temas que afligem chineses.

Numa cidadezinha chinesa, um artesão especialista em modelar bonequinhos de argila acaba de produzir duas novas peças. Por um infortúnio, uma delas cai nas mãos do temido vilão do subterrâneo, Raio. A outra é Nathan, protagonista e narrador da história de “Os Brinquedos Mágicos”. Os tais brinquedinhos são típicos da arte folclórica na China, um tipo de objeto de estimação para amantes de chá, que despejam neles o primeiro gole do líquido quente como costume. Ao molhá-los, esses objetos mudam de cor como característica, no entanto por algum motivo Nathan não consegue. Descobrir o que deve fazer para mudar de cor é então o que move o boneco pela jornada do filme.

Mover-se, na realidade, é algo que os bonecos de argila só fazem quando não há nenhum humano olhando. Sim, já conhecemos esta trama de outros filmes ocidentais. Também não é a única característica que “Os Brinquedos Mágicos” tem em comum com famosas animações norte-americanas. Vamos relevar as semelhanças, afinal, originalidade é difícil de atestar. Sem contato com o senhor que o criou, Nathan vive numa lojinha com outros simpáticos bonecos, que se alegram por serem molhados diariamente pelos clientes. Todos têm uma criatura como forma, e a do protagonista é a de um chef de cozinha que luta kung fu. De tanto escutar histórias sobre os ataques de Raio, as pequenas peças também temem a figura desconhecida do vilão. Porém, Nathan desdenha de tudo, preferindo fingir que está bem apesar de se sentir incompleto por não ser igual aos outros.

O incidente que desperta Nathan para querer mudar é a chegada inesperada de um pequeno robô com voz infantil, chamado por eles de Futurobô, justamente por dizer que veio do futuro. Capaz de predizer certos acontecimentos, o personagem convence os bonecos, especialmente um porquinho aficionado por física quântica. Nathan, Futurobô e o porco estudioso saem em busca do “buraco de minhoca” que os fará saltar para o futuro. E lá Nathan poderá descobrir finalmente como mudar de cor.

Por ser uma animação chinesa, espera-se que a história tenha elementos distintos do que Hollywood costuma exportar. Produzido pelo estúdio Light Chaser, o longa tem o cuidado de trabalhar texturas e reflexos nas superfícies, mas não se difere visualmente de uma obra mediana em relação às técnicas atuais. Entretanto, o público ocidental pode se entreter com temas diferentes dos usuais. Sutilmente, “Os Brinquedos Mágicos” lidam com assuntos delicados para a sociedade chinesa, como acesso à informação, valorização do trabalho manual contra o intelectual e o medo de serem controlados ou dominados. Poder entender um pouco mais sobre questões que incomodam pessoas de um lado tão distante do mundo é o melhor motivo para ver este filme.

O escritor e diretor Gary Wang é um grande e conhecido empresário na China. Ele ficou milionário ao criar a Tudou, plataforma chinesa de vídeos equivalente ao YouTube. Após vendê-la, ele fundou o estúdio de animação que produziu “Os Brinquedos Mágicos”. Tanto que há na obra um importante personagem humano que, não por coincidência, lembra a trajetória do visionário cineasta. É válido notar também que o filme que chega aos cinemas daqui é uma versão brasileira adaptada. O roteiro e os diálogos dublados são modificados pensando na audiência local, então é possível que alguns detalhes que fazem mais sentido ao público chinês passem despercebidos por nós.

Apesar da certa riqueza temática, nem tudo são flores. As cenas de ação não empolgam e servem mais para levar os personagens rapidamente de um ponto ao outro. O acabamento sonoro, que mescla trilha musical, diálogos dublados e sonoplastia, está muito ruim na versão brasileira. Os sons simplesmente não se integram naturalmente, assim como a montagem tem dificuldade para costurar a narrativa. Além disso, algumas mensagens poderiam ser melhores se não fossem entregues tão explicitamente nas vozes dos bonecos e animais. Sem falar da personagem feminina que só está no filme para ser salva.

Com uma trama que mistura descaradamente vários aspectos de franquias hollywoodianas bem-sucedidas, como “Toy Story” e “Pets: A Vida Secreta dos Bichos”, além de um toque de “Pinóquio” e “O Mágico de Oz”, a animação chinesa ainda assim consegue permear elementos de sua cultura e de seus valores. Tal característica torna a obra interessante de se ver, buscando entreter igualmente adultos e crianças.

William Sousa
@williamsousa

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