Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 22 de agosto de 2019

A Vigilante (2018): o lado sombrio da vingança

Suspense misturado com drama consegue deixar o espectador vidrado na história do começo ao fim, graças a atuações, roteiro e direção competentes.

Quando falamos sobre filmes de vingança, é comum vir à mente histórias que são contadas com trilhas sonoras marcantes, grandes planos que mostram a superioridade daquele personagem que durante grande parte do filme se encontra numa situação de impotência e muito foco nos atos violentos que levam o protagonista ao seu caminho de triunfo. Em “A Vigilante”, apesar de conter uma história que poderia encaixar em si muito bem todos esses elementos citados acima, a diretora e roteirista Sarah Daggar-Nicholson, em sua estreia, decide tomar um caminho mais soturno e realista.

Acompanhamos a história de Sadie (Olivia Wilde, “A Vida em Si”), uma mulher que sofreu de violência doméstica e dedica sua vida a ajudar outras com seus desejos de se livrarem dos seus agressores. Desde o começo do filme percebemos o tamanho do trauma que ela carrega pelas diversas cicatrizes no seu corpo e pelo comportamento errático que apresenta quando se encontra sozinha, muito diferente da calma que demonstra na frente de suas clientes.

O filme é muito comedido em relação à violência que decide retratar, mostrando apenas o essencial para que a audiência entenda o que está acontecendo. Ela é apresentada aqui como uma válvula de escape de uma pessoa que não aprendeu como lidar com seu trauma. A obra deixa muito claro que esse talvez não seja o caminho mais adequado, mas Sadie não parece ter outra alternativa para colocar para fora os demônios do seu passado. Essa escolha acaba dando um ar mais real para a trama, que não glorifica os atos violentos em momento algum.

Olivia Wilde apresenta aqui o que é provavelmente a melhor performance da sua carreira até o momento, numa personagem que demonstra emoções muito fortes, às vezes extremas e tendo que pular entre elas de uma hora para outra na mesma cena. Uma pessoa que parece insana em diversos momentos, principalmente nas cenas em que está sozinha, ela perde o controle enquanto treina para luta corporal ou vendo coisas que lhe lembram do seu passado. No entanto, também sabe lidar com seus sentimentos mais profundos quando precisa, em nome dos seus objetivos finais, e mostra uma vulnerabilidade que move o espectador. Wilde consegue lidar com todas as nuances de Sadie com maestria, o que eleva ainda mais o status do filme. Sadie é retratada como uma pessoa que não temos que fazer esforço para imaginar que realmente poderia existir.

Intercaladas com cenas da vida de Sadie nos dias atuais, o filme também apresenta alguns flashbacks, onde além de mostrar mais histórias de mulheres que estão em situações parecidas com o que a personagem principal viveu, também revela detalhes sobre o passado dela. O roteiro nos apresenta a personagem de Wilde quando ela já está em ação e consegue construir empatia com o público para depois revelar mais sobre seu passado, consolidando ainda mais este sentimento. Daggar-Nicholson soube construir esses momentos com foco naquilo que realmente importa: fazer jus às vítimas de violência doméstica e abuso. Além disso, essa transição entre flashbacks e dias atuais acontece de forma precisa, criando um ritmo estável para a narrativa.

A trilha sonora de Danny Bensi (“Boy Erased: Uma Verdade Anulada“) e Saunder Jurriaans (“O Homem Duplicado”) está presente nas partes mais mundanas da rotina de Sadie: quando ela está treinando, arrumando seus pertences, mudando de um hotel de estrada para outro, planejando seu próximo movimento, para então continuar com o ritmo bom que a história carrega, na sua maior parte, sem a trilha. Isso nos deixa sentir o peso de cada cena e diálogo importante, quase sempre acompanhados apenas de um silêncio sombrio que valoriza o roteiro.

A cinematografia de Alan McIntyre Smith (“White Rabbit”) não inova, mas consegue chamar atenção com os grandes planos da cidade no inverno, apresentando uma paleta de cores mais escura onde o cinza e o azul se destacam, para concretizar a atmosfera que o filme quer passar. Nas cenas de flashback, que acontecem numa época do ano não tão fria, o verde e amarelo se sobressaem. Smith também utiliza closes e planos mais próximos de Wilde para enaltecer ainda mais sua performance.

Com um terceiro ato surpreendente e uma boa mistura entre suspense e drama, “A Vigilante” faz um ótimo trabalho em mostrar para a audiência como o abuso doméstico funciona e os tipos de consequência que ele pode acarretar.

Lívia Almeida
@livvvalmeida

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