Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 20 de agosto de 2019

A Vida Moderna de Rocko: Volta ao lar (Netflix, 2019): a mudança não é ruim

Eloquente, o retorno do canguru, agora no século XXI, traz uma onda de sátiras e críticas ácidas ao mundo moderno.

Produzida entre 1993 e 1996 pela Nickelodeon e considerada um clássico cult que serviu de inspiração para desenhos de sucesso como “Bob Esponja” e “O Acampamento de Lazlo”, a série animada norte-americana “A Vida Moderna de Rocko” ganhou espaço no Brasil também na década de 90 quando foi transmitida por grandes emissoras nacionais, sempre integrando uma recheada grade de animações. Com várias situações e piadas de duplo sentido, insinuações sexuais e comentários sociais, acabou passando batida pelo público infantil daquela época. Ela foi adotada apenas por uma audiência específica, porém cativa, que agora tem a oportunidade de curtir “A Vida Moderna de Rocko: Volta ao lar”, especial da Netflix que traz Rocko e seus amigos para mais uma aventura excêntrica, ágil e movida por discussões mordazes.

Depois de ficar vagando pelo espaço em sua casa-foguete por 20 anos, Rocko, Vacão e Felisberto voltam ao planeta Terra e deparam-se com uma O-Town totalmente modificada. Na cidade, enquanto aprendem a se ajustar às modernidades do século XXI, Rocko ainda tem que lutar por uma exibição especial do extinto “Os Cabeções”, seu programa favorito. Com pouco mais de 40 minutos de duração, esse curta-metragem resgata o melhor das aventuras do wallaby e mostra por que o desenho ostenta o status de cult, além de servir de referência para outros cartoons. A história em si é bobinha e pouco importa, funcionando basicamente como um episódio esticado. Na verdade o que há de interessante são as diversas questões que permeiam o mundo atual, tanto para o bem como para o mal, e nesse ponto o especial revela sua cara e mostra a que veio.

Dentre os vários temas significativos que o telefilme animado apresenta, dois acabam se destacando mais em virtude da profundidade com a qual são abordados pelo roteiro de Joe Murray – também criador da série -, Mr. Lawrence e Martin Olson. O primeiro está ligado diretamente a “Os Cabeções”, desenho predileto de Rocko que, retornando para um especial, introduz uma metalinguagem coerente, já que “A Vida Moderna de Rocko: Volta ao lar” também marca o regresso do canguru de camisa tropical. Ambas conversam sobre mudanças que surgiram com o passar do tempo, a facilidade e a estranheza em embarcar num universo ainda mais capitalista cheio selfies e Iphones. O segundo tema segue falando sobre aceitação ao trazer de maneira inédita e explícita um personagem transgênero, no caso Ralph Cabeção vira Rachel Cabeção.

Aos que tiveram contato com o desenho por meio de suas exibições no Brasil, portanto acostumados a assistí-lo em versão dublada, devem estranhar um pouco as novas vozes encomendadas pela Netflix e isso pode ser reconhecido como um ponto negativo, tendo em vista que a antiga dublagem casava muito bem com as personalidades dos personagens. Rocko e Vacão são os que mais sofrem com a perda de seus dubladores originais, Ary Fernandes e Bruno Rocha respectivamente. A boa notícia é que, conforme o andamento da narrativa, aceitar seus novos timbres mostra-se possível. Ed Cabeção perde a fala estrondosa do saudoso Mário Vilela (conhecido por dublar o Sr. Barriga da série “Chaves“). Por outro lado, a Sra. Cabeção permanece enérgica com o mesmo tom de antes, graças a manutenção da atriz Zaíra Zordan.

Para aqueles que gostam de um desenho no idioma inglês, é bom ressaltar que as vozes originais são espontâneas e descomplicadas para se habituar. Com uma linguagem acessível e bem descontraída, “A Vida Moderna de Rocko: Volta ao lar”, dirigido por Joe Murray e Cosmo Segurson, revela-se um curta ágil, não só pelo sua duração, mas porque adiciona à sua história leve ingredientes eficazes para entregar um conteúdo inteligente. Sendo fã ou espectador de primeira viagem, não espere dar gargalhadas. Essa não é a proposta. Por trás de figuras malucas e traços surrealistas descontrolados, espere muita diversão, questionamentos, doses surpreendentes de realidade e uma mensagem para a vida: “Não podemos viver no passado. Podemos ser gratos a ele, mas a vida não é permanente e, se não abraçarmos o agora, perdemos muita coisa importante”. Viva!

Renato Caliman
@renato_caliman

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