Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Testemunha Fantasma (Netflix, 2018): terror amador

Preso às convenções do gênero, a produção assusta por sua incapacidade em criar novidades e sua aptidão para cansar a audiência.

Nos últimos anos o terror tem provado que nem só de sustos vive um filme desse gênero. “Corra”, “Um Lugar Silencioso”, “A Bruxa”, “O Homem nas Trevas” e “Corrente do Mal” são alguns dos exemplos mais recentes que surgem com ótimas premissas e as desenvolvem de maneira criativa sem a necessidade do susto barato e previsível. Em todos esses casos, mais do que entregar um simples jumpscare, existe a preocupação dos envolvidos em criar uma série de recursos narrativos que levem ao espectador o momento que ele tanto deseja sem que o mesmo esteja de fato esperando. Infelizmente, “Testemunha Fantasma”, com distribuição exclusiva pela Netflix, vai na contramão do bom momento que vive o terror. Por trás de sua bela estética, há pobreza de ideias, espantos fáceis e um filme cansativo e vulgar.

Após a morte horrível e mal explicada de uma das alunas da escola católica para meninas Santa Lúcia, entra em cena a orientadora educacional Patrícia Consolacion (Bea Alonzo) com o objetivo de ajudar as garotas a lidarem com esse acontecimento terrível. Dotada de talentos incomuns e na busca por respostas, Pat começa a estabelecer conversas com Eri (Gillian Vicencio), uma antiga aluna que também morreu misteriosamente no lugar. Uma escola católica de estrutura antiga, onde as meninas são reprimidas pelas suas madres superiores, tem um banheiro mal assombrado e uma atmosfera perfeita para o desenrolar de situações impactantes e discussões quentes. Partindo de uma premissa razoavelmente intrigante, o roteiro logo dá indício de suas primeiras falhas e escolhas triviais que comprometem a evolução.

Escrito por Mariah Reodica, Mikhail Red e Rae Red, o argumento inchado e nada inventivo transforma uma história com potencial numa cansativa experiência para o espectador, que se vê preso em situações vulgares em 1h40 de sessão. São inúmeros momentos em que perde-se tempo com sequências dispensáveis e diálogos inúteis para o decorrer da narrativa. Além disso, a direção de Mikhail Red (“Birdshot”), que poderia imprimir velocidade e aproveitar-se das convenções do gênero para evocar sua própria personalidade, acompanha o marasmo do texto, preferindo uma câmera mais estática que, por sua vez, leva o filme a um ritmo extenuante e apoiado nas mesmices do terror. Sem um roteiro decente e com uma câmera improdutiva, sobra ao elenco tentar capturar a atenção, e aí nota-se outra fraqueza.

A filipina Bea Alonzo, cuja carreira está toda calcada em produções locais, dá vida a uma protagonista insossa, porém com muito esforço é capaz de entregar uma atuação correta de acordo com a proposta. Faz caras e bocas, sempre sujeita a sustos e vulnerabilidade por conta de seus talentos paranormais. Enquanto isso, Charo Santos-Concio, uma veterana do cinema filipino, evoca em sua Irmã Alice surpreendentes nuances, com suspense, ameaça e desconfiança, para se sair como a grande estrela. Gillian Vicencio, a garota fantasma Eri que assombra o convento, sofre com diálogos tão terríveis quanto sua modesta maquiagem que a converte numa versão B da garotinha de “O Exorcista”. Nesse caso, ao invés de causar medo no público, o máximo que o filme consegue é provocar risos e comparações desleais.

Fortalecendo ainda mais o ar de “já vi esse filme antes”, a produção apela para uma trilha sonora genérica e que de tão previsível permite antecipar qualquer sobressalto, colocando os propósitos da trama num inevitável rumo decrescente. “Testemunha Fantasma” goza de boa aparência, graças a suas ambientações e à atmosfera soturna, e de um enunciado promitente, mas deixa se levar pelos formalismos do terror, o que termina sendo uma escolha cheia de armadilhas para o roteiro, que não sabe o que fazer conforme a narrativa avança. Direção precária e sonolenta, atores limitados, coadjuvantes fracassados e uma trama para esquecer. Baixos orçamentos costumam estimular a criatividade da equipe, no entanto, aqui, parece querer apostar no politicamente correto para emplacar – uma decisão que parece ter convencido somente a Netflix.

Renato Caliman
@renato_caliman

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