Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Nunca Deixe de Lembrar (2018): arte na Alemanha nazista

Drama conta uma grande história que se passa na Alemanha durante um período de quase trinta anos, mas com alguns problemas de ritmo acaba tornando-se cansativo.

Muitas histórias centradas na Segunda Guerra Mundial partem do ponto de vista de judeus, ou outros grupos que o regime nazista marcava como “não puros”, para mostrar as atrocidades que tais pessoas viveram. Em “Nunca Deixe de Lembrar”, o diretor Florian Henckel von Donnersmarck (“A Vida dos Outros”) se baseou na vida do pintor alemão Gehard Richter para criar sua narrativa. Nela, acompanhamos a história de Kurt Barnert (Cai Cohrs, de “Paths”, quando criança, e Tom Schilling, de “Os Invasores”, quando adulto). A partir da sua perspectiva e de sua família, vemos como o regime nazista foi maléfico até mesmo com aqueles que em teoria seriam as pessoas “perfeitas”, se baseando em pobreza e doenças mentais para tentar chegar ainda mais próximo do seu ideal impossível de “pureza”.

Quando adolescente, Kurt começa a estudar pintura e se apaixona por Ellie (Paula Beer, “Frantz”), uma estudante que frequenta a mesma escola de artes que ele. O pai de Ellie (Sebastian Koch, “A Espiã”), que trabalhou para o partido nazista durante a guerra, não aceita o romance e faz de tudo para impedir que os dois fiquem juntos. Porém, como a maioria dos filmes que batem a marca de três horas, essa sinopse é apenas um dos aspectos da trama.

O filme passa por diversos anos da história alemã (começando em 1937 e terminando em 1966), e seu primeiro ato é o mais interessante: nele, acompanhamos o relacionamento de Kurt ainda criança com a sua tia Elisabeth (Saskia Rosendahl, “Lore”), uma presença forte na sua vida até a fase adulta. O ritmo da história é cativante, fazendo com que o espectador crie laços com os personagens e sinta empatia por eles, tanto pelas ótimas atuações quanto pelo roteiro, também assinado por Donnersmarck. Ele consegue transmitir muito bem o desespero das famílias alemãs contrárias ao regime nazista durante a segunda guerra. Também é a parte onde a cinematografia de Caleb Deschanel (do remake de “O Rei Leão”) mais se destaca, com suas cores vibrantes e planos muito bem escolhidos para cada cena.

Porém, apesar de apresentar acontecimentos vitais para a narrativa no segundo ato, o ritmo estável que o longa vem carregando diminui consideravelmente. Depois de um início agitado e cheio de situações interessantes, é o tipo de mudança que causa um choque no espectador, quase como se tivesse começado a assistir a outro filme.

Curiosamente, o roteiro pula reviravoltas muito importantes para a trama, apenas nos mostrando depois que tais eventos acontecem, às vezes sem nem explicar o porquê. Nesses momentos, a conexão que o espectador tem com os personagens é abalada, pois não conseguimos entender suas escolhas ou a decisão de Donnersmarck de não nos mostrá-las. Tais decisões podem ter sido tomadas para não estender ainda mais o tempo do filme. É difícil não considerar que algumas partes mais maçantes poderiam ter sido removidas em troca desses momentos, ou talvez fosse a intenção do diretor fugir dos clichês que esses desenrolamentos poderiam trazer. De qualquer forma, a sensação de que algo está faltando prevalece. E o fato de que Schilling não consegue entregar um protagonista interessante também não ajuda. Infelizmente, ele é o elo mais fraco de um elenco que, no geral, apresenta ótimas performances.

O romance no segundo ato, mesmo com um início abrupto, consegue convencer durante o filme, pois temos bastante tempo para acompanhar a sua evolução. A atuação de Sebastian Koch como o médico Carl Seeband, pai de Ellie, merece destaque: o ator consegue interpretar muito bem o personagem sem escrúpulos, que mente sobre suas convicções e faz de tudo para conseguir o que quer, mesmo que isso signifique colocar a vida e felicidade da sua própria família em risco. A trilha sonora de Max Richter (“Duas Rainhas”) é bastante eficiente em complementar os momentos de forma correta, sem tentar evocar emoções na audiência apenas com base na música, e sim usando-a como deve ser: um ótimo acabamento para aprofundar o peso de cada cena.

O tema que o longa abraça como o mais importante a partir do seu terceiro ato é a arte. Algumas mudanças na vida de Kurt o fazem repensar na sua expressão como pintor, e acompanhamos a fundo seus processos de criação enquanto ele tenta se mantar fiel ao que gosta de produzir. A partir disso, “Nunca Deixe de Lembrar” consegue abordar como é difícil criar uma expressão que lhe represente através da arte, como ela muda de acordo com as suas mudanças pessoais e a frustração de quando você usa seus dons artísticos apenas para tentar agradar um grupo de pessoas. Ver Kurt explorando seu amor pela pintura é de fato uma das partes mais cativantes da trama – uma pena que chegue tarde demais no filme.

Lívia Almeida
@livvvalmeida

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