Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 13 de agosto de 2019

Minha Filha (2018): sobre casos de família

Ao usar as expectativas da sociedade em relação à mulher para quebrar julgamentos, Laura Bispuri consegue entregar um filme tão honesto e denso quanto qualquer drama pessoal.

Algumas histórias são brutais demais para serem contadas com pressa. “Minha Filha” é assim. A crueza da trama é tão impactante, que é necessário que tudo seja apresentado com calma, algo que a diretora Laura Bispuri faz com uma habilidade muito singular. E é no drama muito pessoal de um curioso triângulo (não necessariamente) amoroso, que ela consegue demonstrar um estilo muito particular de contar histórias.

O filme acompanha a jovem Vittoria (Sara Casu), que prestes a completar 10 anos descobre que possui duas mães. A primeira é Tina (Valeria Golino, de “Retrato de uma Jovem em Chamas”), uma mulher gentil e que ama Vittoria com toda a sua força. A segunda é Angelica (Alba Rohrwacher, de “Hellhole”), que trabalha como prostituta e está prestes a deixar a casa onde mora por possuir muitas dívidas. Esta é a mãe biológica, a outra a mãe de criação, e Vittoria quer ficar com as duas.

Desde o começo, a ingenuidade da criança, que percebe por mero acaso as semelhanças físicas que compartilha com Angelica, traça o foco principal adotado pela diretora. Incapaz de julgar a mãe biológica por sua profissão e por seu estilo de vida, a garota parece aceitá-la sem nem ao menos se importar com isso. Da mesma forma o carinho que sente por Tina não é deixado de lado, mesmo quando busca se aproximar da outra mãe. Sempre meio sem jeito, Vittoria quer ser aceita e isso define o rumo da história.

E para conseguir deixar sua obra mais envolvente, Bispuri não procura ser complexa no formato. A opção por não trabalhar com muitos cortes serve para jogar o público como um espectador mais próximo das personagens. É como se a diretora quisesse que estivéssemos ali, sentindo de perto o drama que está sendo narrado. Por um lado, isso torna a história um pouco mais arrastada. Já conforme a trama avança, é fácil se envolver com o trio principal e a narrativa flui com uma agilidade muito própria.

É interessante observar como tudo entre as duas mães serve para construir uma dualidade que resulta em quem é Vittoria. Seria fácil tomar como um julgamento de valores, sobretudo pela essência de Angelica, construída como uma mulher que representa tudo o que não se espera de uma mulher. Mesmo quando ela tenta deixar de se prostituir, em seu novo trabalho ela é a única mulher entre muitos homens, como se ela nem ao menos pertencesse àquele lugar. Enquanto isso, Tina encontra-se em um lado oposto, como se sua suposta perfeição também fosse vista como uma crítica, tanto pelo olhar da diretora, quanto da filha, que decide ir atrás de mãe biológica, mesmo não tendo um motivo aparente para isso.

No final, “Minha Filha” é uma narrativa que olha para as diversas faces da maternidade, sem lançar um julgamento. Não muito diferente do que Bispuri já havia feito em seu primeiro longa, “Virgem Juramentada”, mas com um foco na sexualidade feminina. São histórias que se mostram cada vez mais presentes e que defendem que as mulheres não precisam seguir padrões nem possuem uma função específica para cumprir na sociedade.

Robinson Samulak Alves
@rsamulakalves

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