Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 10 de agosto de 2019

Sequestrando Stella (Netflix, 2019): clichê que não funciona

Apesar de entreter, o suspense não consegue fugir dos clichês negativos do gênero.

Com distribuição mundial pela Netflix, “Sequestrando Stella”, remake do filme britânico de 2009 “O Desaparecimento de Alice Creed”, foca no desenrolar do sequestro de Stella (Jella Haase, “Dane-se Goethe”), que acaba não indo de acordo com os planos dos sequestradores Tom (Max von der Groeben, “Vivi e Tina”) e Vic (Clemens Schick, “007 – Cassino Royale”). O começo do filme é bastante promissor, conseguindo construir um bom suspense enquanto nos apresenta Tom e Vic montando o lugar onde irão manter Stella. A cena do sequestro é efetiva e consegue incomodar o espectador com o modo seco que os sequestradores agem frente ao desespero da protagonista.

Porém após os dez minutos iniciais, infelizmente, o longa cai em um dos piores clichês dos filmes do gênero: personagens fazendo escolhas sem nenhum cabimento apenas para levar a narrativa de um ponto X a outro Y. A maioria (possivelmente todos) dos problemas criados se baseia em reações que não fazem sentido para situações relativamente simples. Ainda no primeiro ato, acontece uma revelação sobre a natureza das relações dos personagens que poderia mudar as dinâmicas entre eles, o que seria uma ótima oportunidade para também aprofundar as suas interações. No entanto, para demérito do roteiro de J Blakeson (“A 5ª Onda“) e do também diretor Thomas Sieben (“A Represa”), o filme não consegue evoluir nessa questão.

Tom acaba sendo o personagem que mais faz escolhas questionáveis. Quando descobrimos detalhes sobre seu passado a partir de diálogos expositivos, é inevitável que o espectador pare de levá-lo a sério como antagonista. Vic consegue ser o mais consistente (chamá-lo de interessante seria um exagero) entre os três. Suas motivações parecem bem explicadas: ele apenas quer o dinheiro do resgate, que o pai rico de Stella vai pagar, e espera que seu plano seja seguido milimetricamente e sem imprevistos. Porém, até mesmo ele toma decisões sem fundamento durante o terceiro ato, o que causa uma surpresa negativa. Vic é apresentado como o mais preparado entre os dois, mas ao mesmo tempo ignora situações em que claramente deveria questionar seu parceiro. Ele só age de fato nas suas desconfianças quando o roteiro precisa, e não quando o personagem logicamente deveria.

A atuação do trio não chama atenção, com Clemens se destacando entre os três. O problema maior se encontra no roteiro, que não dá espaço para que os personagens se desenvolvam de uma forma convincente ou orgânica durante a narrativa, provavelmente o motivo das atuações não serem nem boas, nem ruins: apenas ok. Infelizmente isso também causa a perda de empatia por Stella, algo que não deveria acontecer. Se a audiência não se importa com a personagem principal que está passando por uma situação desesperadora, qual é o ponto de continuar assistindo a um filme que se apoia na curiosidade de saber se ela irá sair viva ou não?

Apesar de tudo isso, “Sequestrando Stella” tem seus méritos, um dos maiores deles sendo a criatividade do trabalho de câmera. Mais da metade do filme se passa no apartamento onde Stella está sendo mantida em cativeiro, e Sieben consegue montar enquadramentos diferentes e bem executados do espaço, procurando sempre mostrar um novo ponto de vista de cada cômodo para que o espectador não fique entediado pelo visual do filme. As cenas entre os dois sequestradores são as mais interessantes pela forma competente que Sieben utiliza closes para demonstrar a tensão entre ambos. Apesar de ser uma fórmula que já estamos acostumados a ver em filmes de suspense, esses planos conseguem construir ainda mais o clima de insegurança – estes funcionam. A trilha sonora de Michael Kamm (“Os Invasores”) não traz nada de novo. É do tipo que já ouvimos bastante em filmes do gênero, porém dá certo e combina com a vibe da trama.

Na sinopse oferecida pela Netflix, é dito que “Stella fará de tudo para arruinar o plano de seus sequestradores mascarados”. Quando analisamos o filme por completo, é óbvia a forma como ele é inadequadamente apresentado para o público, pois as ações de Stella não trazem nada de único ou diferente para a história. Apesar do final satisfatório, o conjunto da obra de “Sequestrando Stella” não convence. Dá para assistir e ficar entretido num nível superficial, o que não é necessariamente um problema, mas é inevitável passar raiva com a narrativa. Mesmo com apenas 90 minutos de duração, existem outros filmes do gênero com uma premissa parecida que conseguem fazer com êxito o que ele não conseguiu para que o espectador invista seu tempo.

Lívia Almeida
@livvvalmeida

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