Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 13 de junho de 2019

Obsessão (2019): fixação pelo banal

Sem assumir riscos, o novo filme de Neil Jordan não sai do trivial para entregar uma obra que agrade seu público cativo, mas que ainda assim ganha pontos pela excelente atuação de Isabelle Huppert.

Obsessão”, tradução brasileira para o título “Greta”, traz novamente para as telonas um filme sobre um stalker e retratando um comportamento obsessivo. O substantivo solitário do título nacional pode ser encontrado em diversos outros nomes de obras com a mesma temática. Este é um reflexo do maior problema do longa como um todo: a falta de originalidade.

Para tentar contornar essa adversidade, o diretor Neil Jordan (“Entrevista com o Vampiro”) fugiu do estereótipo de casais formados por um homem e uma mulher e aqui inseriu duas figuras femininas: Frances McCullen (Chloë Grace Moretz, “O Mau Exemplo de Cameron Post”) como a jovem ingênua e novata na cidade grande que, depois de encontrar e devolver uma bolsa perdida no metrô, começa uma amizade um pouco incomum com Greta Hideg (Isabelle Huppert, “Elle”), a stalker da vez. Não deixa de ser interessante ver esse misto entre uma possessão quase romântica e um amor materno totalmente neurótico e maníaco, mas as surpresas acabam parando por aí.

Uma quantidade considerável das decisões que seguem no roteiro são previsíveis e pouco originais. Temos toda a construção de uma amizade bonita, passando pela descoberta do comportamento obsessivo, a quebra da relação, a tentativa do distanciamento e, por fim, a loucura definitiva, que escala a níveis mais assustadores conforme a trama avança. Mas o texto assinado por Ray Wright (“A Epidemia”) e pelo próprio Jordan acaba não acrescentando muito em um subgênero que já foi trabalhado à exaustão nos cinemas. Algumas cenas específicas, além de um plot twist na conclusão da obra, podem não ser suficientes para surpreender o espectador, especialmente os que têm o mínimo de referências de outros thrillers.

E essa falta de ousadia do roteiro acaba se refletindo no restante da produção. O diretor parece (com o perdão do trocadilho) obcecado em inserir o filme em uma atmosfera de realidade, para dar a ideia de que é possível que toda a história pudesse acontecer de fato. Para isso, ele acaba apostando em muitas locações públicas, além da ausência de efeitos visuais ou sonoros gerados por computador, dando um ar de simplicidade que é até bem-vindo. Mas isso também acarreta a falta de uma assinatura mais forte do diretor na obra, transformando o longa em algo banal. A própria fotografia é bastante genérica, a trilha não passa do funcional, nada mais se destaca de verdade. O único ponto realmente marcante acaba sendo a atuação de Isabelle Huppert.

Chega até a ser cômico o fato da própria Isabelle ter admitido, em uma entrevista, que não fez muito esforço para atuar em “Obsessão” – não diminuindo a obra, mas enfatizando que atuar, para ela, é algo muito natural. Então o que vemos não reflete todo o potencial da atriz, e mesmo assim, ela domina a tela completamente. Desde quando ela parece uma senhora indefesa, até quando alterna momentos de sociopatia e psicopatia, tudo é muito natural e crível. O único defeito – da personagem, e não da atriz – é que há momentos onde ela parece ser totalmente invencível, chegando a ultrapassar até os limites que a suspensão de descrença permite aceitar.

Já Chloë Grace Moretz entrega uma atuação regular (assim como todo o filme), atingindo algum destaque no terceiro ato, onde ela é bem mais exigida e corresponde bem às expectativas. O elenco tem ainda ainda Maika Monroe (“Tau”) como Erika, amiga da Frances, que funciona bem quando serve de apoio no desenvolvimento da jovem protagonista, mas que acaba assumindo um ar mais exagerado quando ganha mais importância no fim da narrativa.

A sensação que fica é que “Obsessão” não passa de mais um produto feito para o espectador que se sente bem assistindo a esse subgênero de filmes, porque trata-se de uma obra totalmente mediana e que não assume riscos em nenhum aspecto, mas que conta com uma atriz excelente e uma história que tem seu público cativo. Mostra-se o suficiente para atrair pessoas ao cinema, mas passa bem longe de ser algo realmente memorável.

Martinho Neto
@omeninomartinho

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