Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 07 de maio de 2019

Família Submersa (2018): as mulheres do cinema argentino

Produção intimista, explorando os processos de luto e superação, situada no coração da classe média argentina.

Muito se elogia o cinema argentino, vencedor de três prêmios da Academia com obras impecáveis, como “A História Oficial” (1985), “O Filho da Noiva” (2001) e “O Segredo de Seus Olhos” (2010). Na maioria das vezes, associam-se suas produções a nomes masculinos, como o ator Ricardo Darín e o diretor Juan José Campanella. “Família Submersa” pode ser um bom começo para também darmos o devido reconhecimento ao papel das mulheres, já que a produção reúne alguns dos nomes femininos mais importantes do cinema atual daquele país.

Isso porque sua diretora, Maria Alché, protagonizou o filme “A Menina Santa”, de 2005, dirigido por Lucrécia Martel, principal nome feminino do cinema de lá. Nessa trama, escrita pela diretora, acompanhamos Marcela (Mercedes Morán, de Um Amor Inesperado) logo após o falecimento de sua irmã, transitando entre a melancólica nostalgia e o eterno tédio da vida cotidiana. Seus filhos e o marido preenchem os contatos de seu dia a dia, assim como os fantasmas do passado, trazidos à tona pela perda do ente querido. Assim, o filme transita entre um realismo atento e detalhista – evidenciado pela intricada cenografia da casa de Marcela -, e uma dimensão de fábula, quando adentra no que existe apenas da cabeça de sua protagonista.

Já os outros personagens, como a figura episódica do marido ou seus filhos, surgem na trama para preencher um cosmos conciso, mas denso e complexo das relações da mulher. Habitando um universo restrito às situações cotidianas, o filme parece conseguir mergulhar na densidade das relações afetivas.

Co-produção brasileira, dos mesmos realizadores de Benzinho(2018), com a Alemanha, Noruega e, é claro, Argentina, “Família Submersa” mostra a virtuosidade dessas parcerias. Produções com tamanho grau de sensibilidade ajudam a revelar um retrato de classe e história das sociedades latino-americanas. Interesse direto ao Brasil, uma vez que são culturas ao nosso lado, com quem partilhamos certos hábitos. Ainda que a história de luto e superação de Mercedes seja universal, soma-se assim a importância de podemos ver, na tela, como nossos vizinhos vivem, pensam e sentem. Viva esse nosso cinema!

Vinícius Volcof
@volcof

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