Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 05 de abril de 2019

Um Amor Inesperado (2018): grandes doses de carisma em passos lentos

Ricardo Darín e Mercedes Morán estrelam o romance argentino com baldes de charme como personagens separados em busca de satisfação após 25 anos de casamento.

O cinema argentino deve muito ao talento internacionalmente reconhecido de um dos seus melhores atores, Ricardo Darín (“Todos Já Sabem”). Em “Um Amor Inesperado”, seu carisma preenche a telona como nunca e faz par com o encanto da também excelente Mercedes Morán (“O Anjo”). Os dois formam um casal com 25 anos de estrada que acabam de se despedir do filho único, que partiu para estudar na Espanha. Sozinhos de novo e com o apartamento em Buenos Aires para si, Marcos e Ana espontaneamente decidem que o vazio que sentem em suas vidas é algo que somente a separação amigável pode resolver.

Desde a primeira cena, o longa do estreante na direção Juan Vera apela para o que traz de melhor: os olhos empáticos de Darín num papel que clama por identificação e não apresenta defeitos de caráter. Em meio a amigos que festejam novas fases de vida, é de partir o coração que o casal de protagonistas decida buscar novas aventuras sem ao menos lidarem com um conflito sequer. É a premissa que o espectador precisa comprar para acompanhar as vidas agora separadas de Marcos e Ana. O clichê do romance bem-humorado traz consigo uma esperança de reconciliação, mas o roteiro, também assinado por Juan, não está interessado em enfileirar fracassos amorosos e desencontros que pretenderiam reunir os personagens ao final. O interessante (e trunfo) do filme é acompanhar como os dois buscam a satisfação longe um do outro.

Para contar sua história, Juan dá preferência a longos e amplos planos. A sensação é que ele simplesmente deixa a câmera ligada enquanto os atores iniciam, executam e finalizam calmamente suas cenas. Há uma recomendação popular para roteiristas para que comecem suas cenas tarde, em cima da ação, e terminem elas cedo, rapidamente, como uma técnica para garantir ritmo a um filme. Entretanto, “Um Amor Inesperado” não demonstra a menor intenção em seguir tal dica. Como já se pode concluir, o andamento da obra é bem lento, estranhamente em sintonia com as elipses de tempo que dividem os casos amorosos dos protagonistas.

Marcos e Ana não demoram para rechaçar a famosa síndrome do ninho vazio e encaram suas jornadas com toda a maturidade que os praticamente sessentões acumularam durante a vida. Novamente, o estereótipo do gênero cinematográfico levaria o longa a explorar situações de potencial divertido das crises de meia idade, mas a história se preocupa mais em oferecer reflexões sobre relacionamentos numa fase tardia de uma pessoa. O filme trabalha, em segundo plano, uma crítica a um estilo hipócrita de um casal de coadjuvantes, mas segue as experimentações dos protagonistas com compaixão. As risadas são raras e o brega deixa seu rastro aromático, porém, o bom humor e simpatia pelos personagens permeiam as cenas.

Embora o formato relativamente silencioso e contemplativo de “Um Amor Inesperado” se apoie no magnetismo de Morán e Darín para manter a atração do público, a escolha favorece as reflexões propostas pela narrativa. Diferente da expectativa de encontros românticos, o título se refere aos diferentes sentimentos que podem surgir num momento tardio da vida, que menos têm a ver com paixão e desejo, mas ainda possuem as características do amor. Para quem topa uma história mais reflexiva que engraçada, mais paciente que precipitada, ou para quem só quer passar um tempo no cinema com os queridos atores argentinos, o filme é uma recomendação.

William Sousa
@williamsousa

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