Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 11 de abril de 2019

Suspiria (1977): a estética do medo

Combinando muito bem técnicas de fotografia com uma trilha sonora incômoda, o filme evoca uma sensação de perigo e desconforto, que cresce a cada cena até o seu horripilante clímax.

Existem inúmeras maneiras de conduzir uma obra de terror no cinema. Embora alguns diretores prefiram seguir regras – que nunca foram estabelecidas, é importante salientar -, a beleza do gênero está na inovação. Disso podem surgir filmes que criam novos conceitos, mas também é possível ir por outro caminho e reinventar a partir de temáticas e técnicas já existentes. O diretor italiano Dario Argento (“Prelúdio para Matar”) sempre foi muito bom em olhar para algo e então criar sua própria versão. E nesse sentido, “Suspiria” é uma das suas mais perfeitas criações.

A trama conta a história de Suzy Bannion (Jessica Harper, “Mal do Século”), uma bailarina nascida nos Estados Unidos que consegue uma bolsa de estudos em uma das mais importantes escolas de dança da Europa. Lá, se depara com estranhos fenômenos que colocam sua vida em risco conforme tenta desvendar os mistérios que ocorrem dentro do local.

Aos olhos do século XXI, “Suspiria” é um filme essencialmente belo no visual, mas complicado se for olhar apenas para o seu roteiro. Argento concebeu sua obra para fazer parte da chamada “trilogia das três mães”, que conta ainda com “Inferno” (1980) e “O Retorno da Maldição – A Mãe das Lágrimas” (2007), mas parece ter tido pouco interesse em desenvolver um início para toda a saga. O resultado é uma narrativa confusa em diversos sentidos, mas que se observada com mais atenção, cresce consideravelmente.

Naturalmente o que mais se destaca aqui é o visual. Seja pela fotografia, seja pela cenografia, as cores sempre saturadas enchem a tela. Com uma forte inspiração nos filmes do seu conterrâneo Mario Bava, o diretor utiliza aqui um jogo de luzes bem evidentes para trabalhar os sentimentos das personagens e, brincando com um cenário que evoca o espírito do cinema expressionista alemão, o diretor consegue causar estranheza sem precisar de penumbra ou espaços escuros. Embora algumas cenas contrastem muito bem o vermelho ou o azul com as sombras, o medo não vem do que não se pode ver, mas daquilo que é mostrado a partir do distorcido. Uma analogia simples e elegante à própria escola que por trás da dança esconde rituais macabros.

E toda essa beleza visual parece ficar ainda mais confusa e estranha quando aliada à trilha sonora da banda de rock progressivo Goblin. A mistura de sons criados pela guitarra e pelo teclado, somada ao vocal incompreensível torna o cenário mais sinistro, criando o sentimento de que há algo errado acontecendo ali. Mas Argento não é óbvio e utiliza esses efeitos para causar o desconforto, podendo assim revelar o mínimo através das lentes da câmera. Isso obriga que se preste atenção em cada detalhe, justificando e valorizando o ritmo mais lento do filme. Os longos planos (muitos dos quais sem qualquer movimento da câmera ou do zoom) permitem que seja notado cada canto bizarro e arquitetonicamente confuso, reforçando ainda mais o sentimento de medo daquele local.

Todos esses elementos sensitivos são colocados juntos para que o diretor possa trabalhar o mais fundamental dos conceitos de “Suspiria”: a crítica da estética. E faz isso através de um recurso simples, porém efetivo. A beleza dos espaços, das danças e das bailarinas, estão ali para criar um conflito com o que há de mais horrendo. Ambos coexistindo num mesmo espaço, como se para um tirar a atenção do outro. Quando nos é revelado um segredo por trás das práticas da escola, o grotesco só assume forma a partir de uma personagem deformada, a única de todo o longa e ao mesmo tempo a mais importante para o local. Esse contraste entre o que é belo e o que é mau, construído através da estética, resgata aquilo que o roteiro não se preocupa em contar, mas que aos olhos cuidadosos do diretor não escapa. “Suspiria” consegue, desta forma, ser um filme que transcende o tempo. Feito com técnicas simples, mas usadas com extremo rigor e obsessividade, é uma das mais belas e incômodas obras de terror da história.

Robinson Samulak Alves
@rsamulakalves

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