Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 12 de abril de 2019

A Casa do Medo – Incidente em Ghostland (2018): projeto de torture porn

Exagerando na estranheza, no sadismo das cenas violentas e nas variações da narrativa, "A Casa do Medo - Incidente em Ghostland" é um exemplar clássico de terror genérico, frágil e infeliz.

A estranheza pela estranheza não é uma qualidade para os filmes de terror se for apenas um artifício vazio e pobre desprovido de propósito narrativo. Esse é o grande problema de “A Casa do Medo – Incidente em Ghostland, que tenta disfarçar tantos erros com uma abordagem supostamente complexa que alterna estilos diferentes, mas que poderia ser, a princípio, promissora em termos da construção de atmosfera de medo e da convergência entre realidade e delírio.

Os primeiros minutos de projeção trazem as promessas não cumpridas de virtudes cinematográficas. Pauline (Mylène Farmer, “Arthur e os Minimoys”) e suas filhas adolescentes Beth (Emilia Jones, “Amaldiçoada”) e Vera (Taylor Hickson, “Tudo e Todas as Coisas”) se mudam para a casa de uma tia recém-falecida, sem imaginar que seriam atacadas por dois misteriosos e violentos invasores. A mãe consegue salvar suas filhas, matando os agressores. Dezesseis anos depois, Beth, agora interpretada por Crystal Reed (“Paixão Mortal”) se tornou uma famosa escritora de terror com um livro sobre a traumática experiência de sua família. Um dia, recebe a ligação de Vera, representada nesta fase por Anastasia Phillips (“Não Fale com Irene”) e que ainda vive com a mãe na antiga residência, pedindo ajuda desesperadamente. O retorno ao local a faz perceber que aqueles perigos podem não ter passado totalmente. A sinopse pode não revelar imediatamente o que é o filme: uma grande salada que mistura estilos e desenvolvimentos de roteiro muito diferentes e transforma a narrativa em algo discrepante.

A estranheza salta aos olhos à medida que se acompanha a progressão da história. Após começar mostrando eventos em seu tempo presente, quando a família se muda e corre um risco mortal, o filme alterna muito rapidamente entre avanço para o futuro, alucinações, recordações do passado, novas visões sobre o mesmo passado… Tais mudanças de estilo e de tons torna a produção incompreensível, apesar da atmosfera de pesadelo criada em que as leis da razão não predominam. Os sucessivos plot twists atrapalham ainda mais o andamento da história e causam uma confusão acerca do que está ocorrendo.

O desenvolvimento do roteiro e dos personagens também possuem absurdos. No prólogo, são exibidas divergências entre Beth e Vera em relação às preferências da mãe e do interesse de Beth por histórias de terror, porém, não é dada a esses arcos uma função dramática. Poderiam, inclusive, ser retirados sem prejuízos. Há também o clássico clichê de ouvir um barulho e ir investigar o que é no escuro e situações que brincam com a inteligência do público, como o fato de Pauline e Vera ainda morarem na mesma casa onde quase foram assassinadas, a estranha relação de predileção da mãe por Beth que negligencia sua outra filha, a decisão de deixar Vera presa no porão enquanto sofre com alucinações e sua capacidade incrível de conseguir sair de ambientes fechados sem a chave.

Nem sequer o terror é construído de maneira constante e alguns bons elementos são prejudicados pelos excessos do absurdo. Em muitas ocasiões, ele depende de jump scares batidos, simples e previsíveis que nada assustam, e de seus vilões rasos e caricaturais desprovidos de qualquer mínima camada interessante – o homem e a mulher invasores são apenas figuras monstruosas que emitem grunhidos e sussurros ameaçadores e têm uma fascinação doentia por bonecas e fantoches aterradores. Esses mesmos brinquedos são enquadrados para criar uma atmosfera de perturbação e tensão, compatíveis com o eficiente design da casa, marcado por animais empalhados nas paredes, mobílias antigas de cores apagadas pelo tempo e pelas já referidas bonecas. Entretanto, falta ao filme uma identidade mais sólida para construir seu horror.

O medo pretendido também não é alcançado devido ao desperdício da ambientação proporcionada pela casa, que é diminuída pelos sustos facilmente antecipados e por uma iluminação demasiadamente escura para se compreender as cenas. Além disso, a montagem também tem sua dose de responsabilidade na confusão que se instala a partir do segundo ato, já que não se torna mais possível discernir o que acontece geograficamente nas sequências de luta corporal nem nos diferentes blocos da narrativa. Seria, então, surpreendente esperar boas atuações das três principais atrizes e algo distinto daquilo que é exigido delas em termos emocionais: basicamente, elas seguem as mesmas variações repetitivas de tranquilidade aparente no início da viagem, desespero frente aos ataques e sofrimentos diante de eventuais alucinações ou traumas. Alguns detalhes mais ricos de suas personalidades jamais são explorados, tais como os ciúmes de Vera em relação à irmã e os muitos medos de Beth em contraste com sua predileção por histórias de terror.

Também a partir do segundo ato, acumulam-se as sequências de sadismo e torture porn nas quais as personagens são perseguidas, atacadas, torturadas, feridas e violentadas. Essa ordem é repetida à exaustão de tal forma que não leva muito tempo para a violência ser banalizada e o público ficar anestesiado para não mais se chocar com o que vê, apenas se sentir incomodado com a pobreza narrativa do filme. As seguidas cenas de violência nos mesmos moldes tornam o terror tão insatisfatório que “A Casa do Medo – Incidente em Ghostland” não se salva nem quando homenageia H.P. Lovecraft. Uma homenagem que, por sinal, o clássico autor do horror abriria mão facilmente.

 

Ygor Pires
@YgorPiresM

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