Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 05 de abril de 2019

Bayoneta (Netflix, 2019): boxe sem emoção

Novo longa original da Netflix, "Bayoneta" tenta trazer significado a uma jornada fria e calculista.

Na maioria das vezes, filmes de esportes – e mais precisamente os sobre boxe – atrelam os trajetos profissionais de seus personagens às jornadas pessoais. Se o protagonista está bem e ganhando as lutas, consequentemente sua vida familiar, financeira e emocional encontra-se excepcional; se ele perde, tudo á sua volta parece ruir perante o fracasso. Em “Bayoneta“, não há espaço para o sucesso e a glória, já que o nosso herói é derrotado nos minutos iniciais, e no decorrer da obra vamos aprender que esta derrota é muito mais moral do que necessariamente esportiva.

Miguel “Bayoneta” Galíndez (Luis Gerardo Méndez, da série “Club de Cuervos”) é um ex-lutador mexicano que vive na Finlândia. Depois de um trauma, ele resolve aposentar as luvas ao mesmo tempo em que ainda vive em função do esporte, trabalhando na equipe de outro boxeador. Afastado da mulher e da filha, Miguel tenta se restabelecer, o que acaba forçando-o a tentar retornar aos ringues, à medida que memórias do passado o afastam do possível retorno aos tempos áureos. É importante ressaltar que não estamos diante de um filme de boxe convencional. Não espere cenas de luta magníficas ou uma montagem de treinamento empolgante, a vida fria na Finlândia condiz com o sentimento de culpa ainda desconhecido de Miguel.

A trilha sonora recheada de cordas nervosas dão identidade ao segundo filme do diretor mexicano Kyzza Terrazas (“El Lenguaje de los Machetes”). As cores quentes da fotografia aparecem quando os mexicanos estão em cena, se contrapondo ao azul das paisagens finlandesas. As cenas de boxe são filmadas de modo tradicional, geralmente de baixo das cordas ou rodeando o ringue, demonstrando que o drama de Miguel é o que importa, utilizando o boxe como pano de fundo para retornar aos laços e raízes do passado. A história vai sendo revelada aos poucos sem pressa, num ritmo próprio e cadenciado, que pode se tornar lento e desinteressante conforme um interesse amoroso vivido por Laura Birn (da série “The Innocents”) é adicionado a trama sem nenhum propósito aparente.

O arco dramático do gigante caído já foi visto inúmeras vezes, e apesar do diretor trazer uma certa psicodelia e sensorialismo (ao associar a trajetória de Miguel com a de um cervo), não há tantas novidades na forma em que conduz a história de um homem que não confia mais no próprio sistema em que vive. Além de Miguel, nenhuma motivação dos demais personagens é suficientemente clara ou se desenvolve de maneira natural. A ausência de emoção também não é algo que conta a favor do filme, já que nesse tipo de produção o espectador é fisgado justamente por isso, o que acaba acarretando numa falta de empatia pelo protagonista, que apesar de se tornar cada vez mais humano – não é capaz de fisgar o nosso apreço imediato.

Se “Bayoneta” acerta nas metáforas visuais, erra ao tentar dar profundidade a uma história que depende justamente do apego, fazendo com que o sofrimento de seu protagonista seja apenas visto, mas nunca identificado.

Tiago Soares
@rapadura

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