Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 01 de abril de 2019

Melhor É Impossível (1997): esperançosa dramédia [CLÁSSICO]

Um ótimo longa sobre o poder que temos de melhorar e inspirar outros a serem melhores, o filme de James L. Brooks conta com um roteiro afiado e interpretações memoráveis.

Um escritor com um sério caso de transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), uma garçonete que rala para conseguir dinheiro para tratar da doença respiratória do filho pequeno e um pintor em depressão após ser brutalmente agredido. Personagens bem distintos cujas vidas acabam se entrelaçando por meio de sentimentos mal resolvidos ou nunca explorados, numa dramédia excelente produzida, escrita e dirigida por James L. Brooks (“Como Você Sabe”). Este é o ótimo “Melhor É Impossível”.

Num papel que lhe rendeu um Oscar, Jack Nicholson (“Antes de Partir”) interpreta Melvin Udall, o escritor com TOC tão agravado que o leva a ter certas excentricidades: ele não pisa as linhas do chão; para trancar a porta de casa, ele gira a chave cinco (!) vezes; lava a mão só com água quente e dois sabonetes, que são descartados após o uso; seus M&M’s são divididos em potes por cores; não encosta em ninguém e faz de tudo para evitar que toquem nele; e várias outras coisas que o filme mostra, às vezes bem na nossa cara, às vezes de maneira sutil e escondida no cenário (veja suas coleções de LPs e CDs e suas garrafas d’água por exemplo). Além disso, aparentemente só sai de casa para se encontrar com seu médico, editora ou para almoçar no restaurante de sempre, na mesma mesa, no mesmo horário, ser atendido pela mesma garçonete e comer a mesma coisa em talheres descartáveis que ele mesmo leva.

Melvin é um cara extremamente grosso e mal educado. Não tem receio algum em ofender alguém, principalmente Simon (Greg Kinnear, “Somos Todos Iguais”), o pintor da história e vizinho de Melvin, com ofensas horrivelmente homofóbicas. O protagonista começa tão detestável que Nicholson tinha medo de ninguém querer ver o filme. Kinnear era apresentador de TV e, após começar a se aventurar na carreira de ator, conseguiu este papel que lhe rendeu uma merecida indicação ao Oscar como Melhor Ator Coadjuvante. Com um ótima transição entre os lados frágil e otimista de Simon, o artista se provou uma grata surpresa.

A garçonete que Melvin exige que sempre o atenda é interpretada por Helen Hunt (“As Sessões”). Ela parece ser a única pessoa que consegue tolerá-lo em algum nível. Hunt também levou um merecidíssimo Oscar por seu trabalho aqui. Sua Carol é uma mistura de determinação e cansaço, ao mesmo tempo que consegue manter um bom astral, que cobre levemente as inúmeras camadas de sua personagem. O diálogo mais visceral do longa vem dela.

Simon é dono de um dos cachorros mais fofos da história do cinema. Por eventos inesperados, Melvin se vê na situação de ter que cuidar do cão, o que o horroriza, já que vai contra toda sua obsessão e rotina. Aqui cabe mencionar a ótima participação de Cuba Gooding Jr. (“Selma – Uma Luta pela Igualdade”) numa cena impagável. Apesar do asco inicial, é pelo cachorro que o arco de Melvin começa. Jornada essa que cruza com as de Carol e Simon. A garçonete tem que lidar com a doença do filho, que passa mal constantemente e é sempre uma constante fonte de preocupação. O roteiro aborda isso de maneira sutil. Sem um pingo de exposição, ele mostra, aos poucos, situações e diálogos muito bem colocados que nos fazem entender as dificuldades da vida da personagem. Junte isso à interpretação primorosa de Hunt e você tem momentos reais e tocantes. A cena que conclui o primeiro diálogo dela com o Dr. Bettes (Harold Ramis, “Ano Um”) é de uma beleza ímpar e pega qualquer um que tenha filhos pelo coração. Méritos de uma direção e atuação bem afinadas, que conseguem entregar uma sutileza na reação materna que parece leve, mas é bem profunda.

Já Simon, no começo do filme, se vê subitamente falido e deprimido. Ao se ver no fundo do poço, precisa aprender a se reerguer. É necessário se impor, se abrir de novo para o que o inspira, se reconectar com pessoas queridas – tudo que parece impossível para ele. Quando seu arco se mistura aos de Carol e Melvin, os três juntos enfrentam seus fantasmas, se ajudando de maneiras diretas e, principalmente, indiretas. Por mais que o cachorro é que tenha iniciado as mudanças em Melvin, é por Carol que elas duram e, aos trancos e barrancos, continuam até o fim. Simon também tem seu papel nisso e ver esses três personagens interagindo, reagindo uns aos outros e às coisas que acontecem com eles, é o grande trunfo do filme. A química do elenco é fora de série e os três atores abrilhantam o já ótimo roteiro.

A boa trilha sonora de Hans Zimmer (“O Rei Leão”) ajuda a dar o tom do filme, que tinha tudo para ser um dramalhão, mas é uma comédia sutil que não precisa forçar situações para arrancar risadas. O casamento entre roteiro e a direção funciona maravilhosamente bem, com falas bem escritas e bem colocadas somadas à atuação soberba do elenco. É impossível não se pegar com um sorriso no rosto, com uma mão no coração e a outra em riste torcendo pelos personagens. Sim, até pelo detestável Melvin.

“Melhor É Impossível” é uma obra que retrata as lutas emocionais de três pessoas e suas maneiras de lidar com seus novos sentimentos. Mostra como o poder da compaixão pode melhorar uma pessoa. Trata de mudança, e como elas não são rápidas ou fáceis, mas que cada um de nós tem o poder de despertar algo de bom em outra pessoa e em nós mesmos. É um filme que diz que, apesar de seu título, melhor é possível.

Bruno Passos
@passosnerds

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