Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 28 de março de 2019

Yucatán (Netflix, 2018): novelesco filme sobre golpes e golpistas

Uma obra que não sabe o que quer ser e se estende, de forma maçante, para além do necessário.

Filmes de gênero são uma faca de dois gumes: por um lado, ter seu nicho facilita a construção da sua estrutura narrativa; por outro lado, são impostos limites que impedem a flexibilização da história, tornando complicada a tarefa de adequar regionalidades por exemplo. Isso fica patente em “Yucatán”, obra espanhola de 2018 dirigida por Daniel Monzón e lançada pela Netflix. Com uma história de golpe misturada com comédia romântica, o longa procura alargar os limites do gênero para adicionar complexidade a um triângulo amoroso, mas se atropela no processo.

No filme, Clayderman (Rodrigo de la Serna, “Diários de Motocicleta”) e sua esposa Verónica (Stephanie Cayo, da série “Club de Cuervos”) trabalham em um cruzeiro de luxo, mas sua principal fonte de renda vem dos truques que eles aplicam nos turistas. Quando um senhor, ganhador da loteria, embarca, Clayderman e Verónica iniciam seus planos para se apropriar dos 161 milhões de euros. O problema é que a bordo está Lucas (Luis Tosar, “Enquanto Você Dorme“), ex-parceiro da dupla que passou a trabalhar solo quando também se apaixonou por Verónica. A partir daí, todos se colocam em uma corrida para saber quem consegue dar o golpe milionário primeiro.

Esta estrutura estabelece dois eixos principais na trama: a busca pelo dinheiro e o triângulo amoroso. Contudo, eles não conseguem se complementar, estando em desarmonia na construção do longa e colocando-se, na realidade, em conflito. Isoladamente, ambos funcionam muito bem. Já quando Monzón tenta articulá-los, o filme se torna arrastado, perdendo-se em sua condução.

A dinâmica romântica dos personagens é eficaz quando se apoia nas boas atuações do trio principal – com destaque para de la Serna, que rouba os holofotes mesmo quando posto em segundo plano. O carisma e o timing humorístico do ator se sobressaem nas situações apresentadas. Esta vertente, contudo, também é o que derruba o filme. As idas e vindas dos casais são reminiscentes das novelas latinas, melodramáticas e inconsistentes com o tom leve que o resto da obra estabelece. Esta falha é crítica: “Yucatán” se estende por duas longas horas, e muitos destes minutos sobressalentes são oriundos exatamente de um romance novelesco desinteressante que parece não ter fim.

No que tange aos golpes, o longa é consistente e constante, pontuado por momentos cômicos que ajudam a compassar o roteiro truncado. As tramoias são estapafúrdias, porém, nada inédito dentro deste subgênero. Elas passam como aceitáveis dentro dos contextos em que são apresentadas, especialmente, dado o valor exorbitante atrás do qual estão os golpistas. A direção funciona nos momentos de humor, apoiada em uma fotografia por vezes inspirada, por vezes insípida. Além do espaço delimitado do navio, os ambientes externos, em terra firme, também não são bem aproveitados, sendo utilizados de maneira genérica e dentro da zona de conforto ocasionalmente constrangedora. A caracterização da cidade brasileira de Recife, por exemplo, é sofrível.

Se fosse vinte minutos mais curto, este filme conseguiria ser despretensioso e agradável, mas seu inchaço, decorrente do choque entre os dois subgêneros que tenta abrigar dentro de si, enfraquece o longa a ponto de torná-lo maçante. Preso entre o nicho e a inclinação melodramática latina, “Yucatán” é uma obra que entretém de forma claudicante ao testar a paciência de sua audiência.

Erik Avilez
@eriksemc_

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