Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 18 de março de 2019

Juventude Assassina (Netflix, 2018): adolescência sem firulas

Dramas, sexo e adolescência em uma adaptação dos mangás que foge dos personagens das franquias japonesas mais famosas.

Quem ouve falar em mangás (quadrinhos japoneses) que são adaptados para o cinema com pessoas reais, deve pensar imediatamente em “Dragon Ball”, “Pokémon”, “Samurai X” e similares. Entretanto, a produção é tão completa e rica quanto a dos quadrinhos de qualquer outro país. Há obras de todos os gêneros possíveis e imagináveis, assim como suas adaptações, como é o caso deste “Juventude Assassina”, drama adolescente pitoresco dirigido por Isao Yukisada (“Five Minutes to Tomorrow”) e estrelado por Fumi Nikaido no papel de Haruna Wakakusa.

Na história, Haruna é estudante do ensino médio e leva uma vida aparentemente comum. Ela namora o valentão do colégio, Kannonzaki (Shuhei Uesugi), tem algumas amigas e está se descobrindo enquanto cresce. Até aí, a sinopse parece se encaixar com qualquer temporada da telessérie “Malhação”. Porém, a jovem guarda um segredo obscuro com outros dois colegas de escola, Yamada (Ryo Yoshizawa) e Kozue (Sumire). Os três são aparentemente os únicos que sabem sobre o corpo de um morto, abandonado às margens de um rio na região.

Nenhum dos três adolescentes dá indícios de querer descobrir a quem pertencia o corpo sem vida. Na verdade, eles apenas o observam como a contemplar a própria figura da morte, de maneira literal, enquanto suas vidas passam por grandes tribulações. Haruna não é exatamente apaixonada por Kannonzaki e parece apenas se deixar levar no relacionamento. Ela sabe que Yamada é alvo de bullying do seu namorado e faz o possível para defender o rapaz. De tão acostumado a apanhar, Yamada caminha como alguém sob o efeito de uma anestesia. E completando o trio, Kozue divide o seu dia entre a escola e a profissão de modelo, possivelmente um fator catalisador de seus distúrbios alimentares.

Se estas já são histórias suficientemente complexas a serem abordadas, some a elas ainda: drogas, sexo, baixa autoestima, conflitos familiares, violência e, pelo menos, outros cinco personagens com alguma relevância para, aí sim, ter o resultado de “Juventude Assassina”. A adaptação do mangá “Ribâzu ejji”, escrito por Kyoko Okazaki, parece condensar uma temporada inteira de um seriado em pouco menos de duas horas, gerando uma sensação de esgotamento ao final do filme.

É compreensível que diversas reviravoltas devam estar presentes na história original, pois ela foi publicada por dois anos (entre 1993 e 1994), permitindo assim mais tempo para a digestão dos acontecimentos. Mas o longa não possibilita isso. Pelo contrário, a sequência fragmentada de acontecimentos dificulta a relação do público com a maior parte dos personagens. A sensação é a de que foram omitidos momentos importantes para situar os muitos participantes dessa história.

Por ser baseado em uma obra dos anos 1990, a adaptação mantém a mesma época para trazer a história para audiovisual, e não poderia ter sido diferente. O filme embarca nessa retomada cada vez mais presente (vide o exemplo de “Capitã Marvel”) pelos figurinos, pelas tecnologias de um mundo sem celular ou internet acessíveis – no qual as ligações eram feitas por telefones com fios ou “orelhões” e as mensagens eram mandadas por cartas -, e com uma fotografia que remete ao vídeo pela “qualidade” da imagem e em seu formato de tela quadrado (razão de aspecto 4:3), que também contribui para todo o clima de cinema independente.

A fotografia estranhamente ganha com a diminuição da tela, pois, por se tratar de um filme mais próximo de um cinema intimista do que de um blockbuster, o foco aqui é na reação dos personagens e nas relações entre eles. Não por acaso, também é recorrente o uso de close-ups, que ficam bem nesse formato e nos enquadramentos com a cidade, escola e indústrias ocupando, em diversos planos, um tamanho que diminui as pessoas no meio do cenário.

Ocorre que outra característica trazida do mangá ofusca todas essas acertadas decisões estéticas. A protagonista Haruna, seu namorado Kannonzaki, seu amigo Yamada e cia. agem como se estivessem nas páginas das revistas em quadrinhos. Nem é possível “culpar” os atores por isso, já que deve ter sido uma direção dada a eles para o projeto. Mas a falta de naturalidade e os exageros, pertinentes a obra em seu formato original e não ao cinema, tiram credibilidade daquilo que é visto em tela.

“Juventude Assassina” é um carrossel de sensações, ora surpreende como filme adolescente que não tem medo de abordar tabus sem diminuir as dores dessa fase da vida ou nem apresentá-las de maneira maquiada, ora decepciona ao se deixar levar pelos maneirismos já citados. Mas não deixa de ser uma obra interessante, estranha e com seu valor.

Hiago Leal
@rapadura

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