Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 06 de março de 2019

Megarromântico (Netflix, 2019): metalinguagem das comédias românticas

Uma homenagem às comédias românticas que brinca com o gênero, faz críticas a ele e repete seus clichês, sempre de maneira divertida.

A Netflix realmente conseguiu trazer uma nova vida para as comédias românticas. O subgênero já alcançou o prestígio nos anos 1930 e 40, com o Oscar de Melhor Filme em 1935 para o clássico “Aconteceu Naquela Noite”; teve sua era de ouro com sucessos na década de 90; e é agora revitalizado pelo serviço de streaming. Como todo gênero cinematográfico, depois de anos de exploração de uma estrutura vem os filmes revisionistas, que retomam o conceito e apresentam novos olhares, muitas vezes se tornando jovens clássicos, além das paródias, que brincam com os clichês, como é esse “Megarromântico”, dirigido por Todd Atrauss-Schulson (“The Final Girls”) e estrelado por Rebel Wilson (da franquia “A Escolha Perfeita”).

Em uma Nova York diferente da cidade idealizada por Hollywood, as ruas são cheias de gente de todo o tipo caminhando de um lado para o outro pelas vias confusas e com todos os tipos de poluição: visual, sonora e, a mais comum, dos sacos de lixo nas calçadas. Nesse cenário, característico a todos que moram em grandes cidades, vive a jovem arquiteta Natalie (Wilson). De tão acostumada a não ser o centro das atenções, ela caminha pelo escritório sendo solicitada a fazer várias atividades que fogem da sua real função como arquiteta e as aceita. Natalie é requisitada para buscar um café ou mesmo resolver os problemas com a impressora, que ela procura atender por ser solícita e também por ter baixa autoestima.

A protagonista interpretada por Rebel Wilson é a alma do filme. A atriz reforça aquela máxima do cinema norte-americano de que os atores e atrizes precisam ser completos sabendo não só atuar, mas também cantar e dançar. Wilson entrega tudo aquilo que é necessário para a sua personagem e se mostra merecedora, finalmente, do papel de destaque, depois de servir como coadjuvante de outros atores por muitos anos, assim como faz Natalie.

Por ter encarnado diversos papéis que funcionavam como alívios cômicos, Rebel mostra um domínio muito bom do timing de humor, como quando sua personagem bate com a cabeça em uma das vigas do metrô que a faz entrar em uma versão alternativa do seu mundo, típico das comédias românticas clássicas. Desse momento em diante, tudo é uma versão estereotipada da realidade, muito mais colorida e clichê. O rico e bonito Blake (Liam Hemsworth, da franquia “Jogos Vorazes”) cai de amores por Natalie de uma hora para outra, ao mesmo tempo em que seu colega de trabalho que nutre sentimentos por ela, Josh (Adam Devine, quase retomando seu divertido personagem na série “Família Moderna”) conhece Isabella (Priyanka Chopra, de “Baywatch”), fechando o quarteto dos protagonistas.

A história é assinada por um trio de mulheres composto por Erin Cardillo (com mais experiência para séries de TV, como “Fuller House”), Katie Silberman (do ótimo “Par Imperfeito”, também da Netflix) e Dana Fox (“Como Ser Solteira”). Há espaço para um mar de referências a filmes como “Uma Linda Mulher”, “Enquanto Você Dormia”, “O Casamento do Meu Melhor Amigo”, “O Amor é Cego”, “Um Amor para Recordar” e “Jerry Maguire: A Grande Virada”, apenas para citar alguns. A maior parte das homenagens é divertida e bem colocada, até porque sequências desses filmes são usadas para dar continuidade a história, e não apenas como acessórios.

Há, por exemplo, um remake da sequência de um dos filmes citados acima em um karaokê, que o público mais atento ou fã do gênero deve perceber. Nela, está presente uma homenagem, mas também uma forma de seguir adiante com o desenvolvimento dos relacionamentos do quarteto principal. Só que é mais interessante marcar as referências encontradas em uma cartilha do que saber para onde a história está caminhando, e isso é problemático. O uso da metalinguagem se sobrepõe a trama principal do filme, pois já fica claro no primeiro ato onde cada um daqueles personagens deve acabar.

O problema reside em brincar, criticar e homenagear diversas obras, mas cair na armadilha de repetir a fórmula sem acrescentar algo realmente novo. Até mesmo colocar uma protagonista fora dos “padrões de beleza” dos manequins tamanho 38, o que é digno de nota, já é feito pela cantora e atriz Queen Latifah (“A Casa Caiu”) há mais de 10 anos. Mesmo a equipe escolhida a dedo por seus bons trabalhos anteriores (vide Todd Atrauss-Schulson e Katie Silberman) não conseguiu dar conta de produzir um desfecho mais satisfatório. Mas, a jornada leve e divertida faz valer a pena esse “Megarromântico”. Só cuidado com as lembranças nostálgicas, elas podem fazer você querer revisitar todos os filmes citados, mais uma vez.

Hiago Leal
@rapadura

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