Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 03 de março de 2019

Dumbo (1941): simples emoções enfileiradas para o circo [CLÁSSICO]

Delicado e descomplicado, "Dumbo" é uma obra simples com seus méritos.

Era 1941 quando o pequeno elefantinho de grandes orelhas estreou no cinema. “Dumbo” saiu em uma época difícil: plena Segunda Guerra Mundial e numa Disney que amargava prejuízos. Deste cenário, a animação sobre um elefante voador, com apenas uma hora de duração, balanceia uma narrativa acessível com subtextos muito à frente de seu tempo.

Na história, a elefanta Sra. Jumbo (Verna Felton) é um animal circense que recebe um pacotinho trazido pelas cegonhas: um filhote. Contudo, o pequeno Jumbo Jr. não é como os outros elefantes: suas orelhas são imensas. Entre provocações dos outros paquidermes e o escárnio dos humanos que visitam o circo, o pequeno elefante logo é apelidado de Dumbo, e se envolve em diversos problemas por causa não de suas orelhas desproporcionais, mas da incompreensão e preconceito daqueles que o cercam.

Esta é uma temática bem madura para uma animação da década de 40, entregue num pacote simplório, porém não por acidente. “Dumbo” é a quarta animação da Disney, após “Branca de Neve e os Sete Anões” (1937), “Pinóquio” e “Fantasia” (ambas de 1940), em um terreno onde o estúdio ainda pisava com cuidado. Após o lucro do (caro) primeiro, o filme do boneco de madeira não foi sucesso de bilheteria, e a antologia musical de Mickey Mouse foi um fracasso maior ainda. Depois das mais de duas horas do megalomaníaco “Fantasia“, a Disney olhou para Dumbo com carinho controlado: o longa precisava ser simples e, principalmente, fazer dinheiro.

“Dumbo” nasce sob esta visão, e é bem-sucedido nisso. A história é tão simples quanto seus cenários, pintados em aquarela, poderiam sugerir. A narrativa se passa em um período de tempo e em um espaço delimitados, e fica evidente que a trama foi concebida dentro dessas amarras. Os ambientes têm poucos detalhes – reflexo do número limitado de animadores -, de forma que os grandes cenários ricos e belíssimos de “Branca de Neve“, por exemplo, dão lugar para o bege discreto da lona circense, enquanto o filme foca totalmente em seus personagens.

Na música, “Dumbo” também não tem grandes destaques. “When I See An Elephant Fly” – “Quando Eu Vi Um Elefante Voar“, no dublado – é a música mais lembrada, que depende muito mais da trilha incidental do que de grandes números musicais. É esta trilha que embala os longos momentos de silêncio; Dumbo não fala em seu filme, e sua mãe, por exemplo, só tem uma linha de diálogo. Esta secura de conversas empurra a obra para a literalidade; os pensamentos dos personagens são claramente retratados em suas ações. Se falta sutileza, isso ajuda “Dumbo” a se tornar um filme acessível para qualquer idade.

Se na parte visual a animação fraqueja, seu subtexto é bem relevante. Mesmo com a atenção dada a exploração dos trabalhadores e dos elefantes no circo, o abuso cometido contra Dumbo é o ponto temático principal do longa – algo que, atualmente, chamamos de bullying. Quando as outras elefantas e as crianças que visitam o circo caçoam das orelhas de Dumbo, os órgãos do elefantinho tornam-se algo negativo – quando, até aquele momento, Dumbo não via nada de errado consigo. A partir do momento em que o bullying convence Dumbo de que ele é deformado, o filme passa a ser uma jornada de autoaceitação para o bichinho, com a ajuda de seu amigo, o ratinho Timothy/Timóteo, o qual desde o início diz não ver nada de errado com as orelhas do jovem elefante.

Essa mensagem de aceitação própria acaba elevando a animação para um patamar além do que ser um filme histórico, simplesmente. Cronologicamente preso entre obras mais ousadas – como o posterior “Bambi” – e mais famosas – como “Branca de Neve” -, “Dumbo” entra para a história como um passo seguro da Disney na consolidação de sua linguagem. Abaixo de seus pares em termos estéticos, mas esforçado em seu subtexto, o longa vende para crianças mundo afora, há quase 80 anos, que as mesmas orelhas as quais as pessoas caçoam podem ser a ferramenta única que você tem para se fazer voar.

Erik Avilez
@eriksemc_

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