Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Até que a Gente Te Separe (Netflix, 2018): até que dá para rir

Comédia neozelandesa acerta nas ótimas atrizes, mas peca no roteiro desbalanceado.

Duas amigas administram uma excêntrica empresa para vender seus serviços de “terminadoras de relacionamentos”. Os clientes vão até elas, contam suas histórias e elas criam uma situação inusitada para que o rompimento ocorra com o mínimo de estresse e responsabilidade por parte do contratante. As coisas começam a desandar quando uma delas começa a se relacionar com um deles, o que não só atrapalha os negócios, como também traz à tona inseguranças e insatisfações sobre sua amizade. Esse é um bom resumo de “Até que a Gente Te Separe”, comédia neozelandesa escrita e dirigida pelas duas atrizes principais, Madeleine Sami e Jackie van Beek (ambas atuaram em “O que Fazemos nas Sombras”, de Taika Waititi, que produz este filme).

O longa começa com uma excelente montagem de diversos casos que apareceram na empresa e o que as duas fizeram para atender os desejos de seus clientes. A rápida sequência de cortes e falas incomuns é sagaz, bem sacada e deixa tudo muito engraçado. O restante do filme consegue manter um nível decente, mas não chega aos pés desta primeira sequência.

Quando o jovem Jordan (James Rolleston, de “Cavalo Negro“) aparece querendo contratar os serviços das duas, Mel (Sami) se sente imediatamente atraída por ele, mesmo com o desgosto de Jen (van Beek). A nova relação abre as portas para que sentimentos mal resolvidos entre as duas sejam expostos, o que é o real cerne do filme, com discussões que começam apenas com o lado empresarial, quando Mel quebra a regra de não se envolver com clientes, e vão até o fato da mesma perceber que desenvolveu empatia com os alvos de seu trabalho, se vendo numa jornada de autoavaliação que é podada pela sócia.

Se nem tudo flui bem nos vários conflitos que aparecem ao longo de “Até que a Gente Te Separe” (há, por exemplo, um relacionamento passado que volta para assombrar uma das protagonistas, mas acaba não dando muito resultado narrativo), Sami e van Beek fazem todas as cenas renderem. A química entre as duas é ótima e elas fazem o longa funcionar. Nas mãos de pessoas mais inexperientes, vários momentos ficariam forçados  e bobos, mas a dupla acha o equilíbrio certo. Elas, aliás, tornam a obra divertida no final das contas, mesmo com um roteiro desnivelado no quesito de desenvolvimento da história.

Ao se falar da direção em si, ela é convencional e não surpreende, mas também não falha. Com uma inspirada montagem em alguns momentos, há boas cenas cômicas aqui. Destaque para a cena na delegacia, um exemplo onde roteiro, direção e atuação acertam na mosca.

Entretanto, é necessário dizer que o longa é um tipo de comédia que requer um gosto muito específico e pode não agradar alguns. Jordan, por exemplo, é aquele personagem burro demais para ser verdade, e parece deslocado no filme, que faz dele muito exagerado. Se era para ser escrachado assim, Chris Hemsworth fez melhor em “Caça-Fantasmas”. Esse tipo de atuação caricata também está na namorada de Jordan, Sepa (Ana Scotney) e em outra “vítima” da empresa, Anna (Celia Pacquola). Esta última, pelo menos, tem melhor função narrativa para o arco das protagonistas.

Ao subir dos créditos, “Até que a Gente Te Separe” consegue divertir mais pela atuação das protagonistas do que pelo texto em si. Pode render uma sessão leve para alguns, mas vai deixar outros entediados. A impressão mais duradoura é de que se o filme tivesse focado nas variadas formas das duas executarem seu serviço de “terminadoras de relacionamento”, teria conseguido muito mais gargalhadas.

Bruno Passos
@passosnerds

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