Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 07 de fevereiro de 2019

Dear Ex (Netflix, 2019): velhos amantes, novos amores

Drama taiwanês usa de uma história absurda para trabalhar assuntos sérios como luto e aceitação.

Inúmeras comédias românticas e filmes sobre o amor são protagonizados por atores brancos, a maioria deles americanos. Quando histórias do cotidiano acontecem em outro âmbito, como a Ásia por exemplo, rendem produtos dignos de nossa atenção, como ocorreu em 2018 com a comédia “Podres de Ricos”. Agora chega à Netflix uma “comédia” taiwanesa com pitadas de romance, que acabou fazendo muito sucesso nos festivais por lá. A palavra comédia está entre aspas pois “Dear Ex” está mais propenso a nos fazer chorar do que rir, com poucos momentos de descontração, a maioria deles gerados de forma inconsciente.

A premissa pode parecer daquelas de novela já vista inúmeras vezes, mas ganha destaque pelas atuações de um elenco entrosado e seguro. O destino acaba unindo Liu Sanlian (Ying-Xuan Hsieh) e Jay (Roy Chiu), que compartilhavam o amor do mesmo homem Song Zhengyuan (o compositor taiwanês Spark Chen). Song acaba morrendo devido a um câncer e deixa tudo para Jay, gerando a revolta da esposa que parte para confrontar o amante. No meio de tudo está o filho de Liu, Song Chengxi (o estreante Joseph Huang), que decide morar com Jay, buscando entender o que o pai via no aspirante a ator. Fazendo o papel de narrador, o filho acaba iniciando uma relação improvável entre os três.

Entrelaçando passado e futuro em uma edição criativa, de um modo em que os personagens pareçam perdidos no tempo, o estreante Chih-Yen Hsu, ao lado da renomada roteirista taiwanesa Mag Hsu (da série “My Dear Boy“), fazem um trabalho excelente de construção de personagens, que por mais que soem exagerados algumas vezes, transmitem verossimilhança e identificação imediata. A situação pode parecer absurda no início, principalmente na relação mãe/filho/amante, mas torna-se algo aprofundado com o tempo, fazendo com que o trio mostre suas fraquezas e indo muito além do orgulho e da arrogância.

Se o texto e a direção não são o bastante para refletir as relações forçadas ligadas por um acontecimento, a fotografia do também estreante Jhih Peng Lin traduz perfeitamente o que eles sentem, mesclando tons de amarelo, vermelho, verde e roxo, muitas vezes misturando tudo em pequenas confusões, tanto nas ruas quanto nos espaços interiores. Se no desenrolar dramático o filme acerta em cheio, principalmente quando mostra a relação pregressa entre os amantes Song e Jay, ele acaba pecando ao forçar situações risíveis com Liu, tornando-a uma mulher superficial. Isso acaba mudando no decorrer da narrativa, quando ela mostra o seu viés… adivinha? Dramático!

O fato da história em sua maior parte ser narrada pelo filho da protagonista também não ajuda, pois apesar de ser o elo entre a mulher e o amante, ele é o ponto mais fraco da produção. Outra questão interessante é a não linearidade que permeia a trama, nos deixando na dúvida de quem Song conheceu primeiro e quem, de fato, toma o posto de amante dessa história. Auxiliado por uma bela trilha sonora recheada de baladas pop regionais, e concertando pessoas quebradas por dentro, “Dear Ex” fala sobre amor, luto, relações de afeto e empatia, que podem parecer propositalmente perdidas ao serem narradas por um adolescente com sentimentos conflitantes, mas que acha seu lugar na dramaticidade de suas frustrações e medos.

Tiago Soares
@rapadura

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