Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 09 de fevereiro de 2019

Sauvage (2018): o retrato cru da solidão

O estreante Camille Vidal-Naquet faz de "Sauvage" um conto cruel e desolador sobre liberdade e busca por amor.

O cinema francês sempre foi recheado de retratos crus sobre a vida. Seja pela exaltação da sexualidade, ocorrendo de forma natural e nunca como um tabu, seja pela culto aos corpos, femininos ou masculinos. Representando o melhor e o pior da humanidade, as histórias dificilmente trazem algo gratuito quando se utilizam do sexo para serem ricas narrativamente. Não é diferente em “Sauvage“, primeiro longa de Camille Vidal-Naquet.

O filme acompanha a história de Léo (Félix Maritaud, de “120 Batimentos Por Minuto”), um jovem de 22 anos, gay e garoto de programa. Ele não tem família ou casa, vive uma rotina imprevisível onde aguarda seus clientes junto com outros companheiros de jornada, rezando para ter um teto para dormir à noite. Léo se agarra a todo e qualquer estranho, não apenas procurando prazer, mas em busca de atenção.

O diretor se utiliza de uma câmera quase documental para retratar uma aventura repleta de altos e baixos, sintetizadas numa atuação marcada pela sensibilidade de Félix Marituad. Repleto de imagens fortes e incômodas, o drama alterna entre dias em que Léo encontra carinho nos braços de um total desconhecido e aqueles em que toma água em poças e dorme no chão das ruas. O mais impressionante é que o personagem nunca acha que merece mais do que lhe é dado, agarrando-se a qualquer oportunidade sem se importar com as consequências.

Léo não vê nada de errado no que faz e nem na vida que leva. É assim que Camille Vidal-Naquet retira todos os esteriótipos e derruba uma visão de homossexualidade promíscua em que “Sauvage” poderia cair. Mesmo rodeado de pessoas, o mundo de Léo é solitário e mostra a crueza de uma condição degradante. Quando recebe o mínimo de cuidado, como quando vai ao consultório e abraça a médica de forma inesperada, demonstra todas as suas fraquezas.

Vidal-Naquet não se limita a mostrar apenas o mundo do protagonista. Apesar dele ser o foco, a vida daqueles que o rodeiam é tão ou até mais ordinária do que a de Léo. O diretor se preocupa em não demonizar aquele universo, mas também o aponta como algo passível de mudanças – que parecem não querer ser realizadas. O texto a todo momento humaniza aqueles chamados de “prostitutos”, e apesar da violência por vezes explícita, não se utiliza de qualquer tipo de sadismo ou voyeurismo nas cenas.  A inserção de um amor não correspondido só explana ainda mais a carência e se torna um reflexo das relações contemporâneas.

Devastador, “Sauvage” traz remissão a seu protagonista ao atrelar sexo e amor numa mesma balança, tornando-o inocente demais para separá-los. Flertando com a morte, Léo muda com o tempo – infelizmente não de forma psicológica, mas física. A câmera parece se mover em um tempo diferente do nosso protagonista (que mal tem o nome mencionado em toda a trama), buscando uma liberdade diferente daquela que conhecemos, um pouco deslocada e assustadoramente deslumbrante. É triste, pesada, deprimente, solitária, melancólica, mas encantadora.

*Filme visto na edição de 2019 do MyFrenchFilmFestival.

Tiago Soares
@rapadura

Compartilhe