Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 07 de janeiro de 2019

Lionheart (Netflix, 2019): valores familiares acima de tudo

O primeiro longa-metragem nigeriano que chega à gigante plataforma de streaming nos faz crer que eles podem se aprofundar um pouco mais na trama pretendida.

As dificuldades que as mulheres enfrentam no hostil mundo dos negócios será sempre um assunto a ser debatido. Ainda que elas sejam melhor preparadas e possuam todo o conhecimento necessário para desempenhar cargos de confiança, elas precisam lutar também contra diversos tipos de discriminação e olhos julgadores. “Lionheart” é um drama com leves pitadas de comédia que conta uma história baseada em valores familiares e nas dificuldades de se manter uma empresa em um pais subdesenvolvido, cheio de concorrentes desleais e prontos para sabotar seu legado.

Produzido pela Nollywood, o longa nos apresenta o caótico ambiente do transporte público na Nigéria em que a Lionheart Transport atua. Com uma empresa já consolidada na região, o diretor geral Ernest Obiagu (Pete Edochie) deseja expandir os negócios e começar a atender mais territórios no pais. Porém, ao ficar doente, ele é obrigado a se afastar do cargo para cuidar de sua saúde, gerando em sua filha Adaeze (Genevieve Nnaji) a expectativa de assumir a direção geral da empresa. Entretanto, sem muita explicação, seu pai nomeia Godswill Obiagu (Nkem Owoh), o tio de Adaeze para ser seu substituto.

Estreando como diretora, Genevieve vive o papel de uma jovem de classe alta que diverge bastante da realidade do país, pois enquanto alguns cidadãos barganham o preço de uma passagem de ônibus, a jovem anda em carros luxuosos com motorista particular. A atriz expõe muito bem os altos e baixos de uma mulher competente que precisa lidar com o ambiente agressivo e sexista de seu trabalho para provar seu valor e demonstrar que nenhum obstáculo a impedirá de conquistar seus objetivos. Já Nkem Owoh faz o papel de guia para Adaeze, e mesmo quando ela pensa que o tio deseja roubar seu posto, na verdade ele está ensinando os verdadeiros valores dos quais sua sobrinha precisa para alcançar seus objetivos, forçando sempre a jovem a dar o melhor de si.

No papel de líder da família Obiagu, o talentoso Pete Edochie atua muito bem, refletindo perfeitamente o papel de grande líder. E mesmo tendo colocado sua família em uma grande enrascada, ele demonstra confiança total em seu irmão e em sua filha, transparecendo até mesmo uma infundada convicção de que tudo vai acabar bem.

A narrativa já não é novidade neste tipo de filme, onde a trama apresenta um grande líder forçado a se ausentar, e vemos a passagem do cajado para seu talentoso herdeiro, que precisará aprender rápido e absorver os conselhos de seus guias para manter os interesses da família operando de forma cíclica. Nesse ponto podemos até mesmo fazer uma menção ao aclamado “O Rei Leão” da Disney.

A direção do longa é competente e deixa apenas um questionamento quanto aos diálogos longos e confusos. Sabemos que ninguém aprende as coisas do nada, mas apresentar assuntos repetidos para mostrar como o personagem chegou a uma conclusão acaba fazendo com que o espectador se entedie, coisa que ocorre no segundo ato do filme. A forma como os personagens conversam também cria uma confusão, já que eles falam dois idiomas em uma única frase por diversas vezes. Exibir a cultura regional é importante, pois é isso que torna obras originais de um pais tão importantes para seu próprio povo, mas seria mais fácil criar ambientes ou momentos em que se fala apenas uma língua. Um exemplo funcional é quando um personagem fica nervoso e prefere se expressar de forma clara, passando a se comunicar através de seu idioma local, e uma vez que estabelecesse a calma, ele volta a usar o idioma estrangeiro.

A visualização e a oportunidade que a Netflix cria para que cada vez mais produções de outros países tenham visibilidade mundo afora é excelente, e isso dá chance ao publico de conhecer obras das quais dificilmente teriam acesso. Mas nem sempre o conteúdo é assim tão fabuloso, trazendo por vezes um filme mediano e que aparenta ter medo de se aprofundar nos assuntos polêmicos abordados no decorrer de sua narrativa. “Lionheart” sofre com isso, fazendo com que o espectador não crie empatia com os problemas vividos pelos protagonistas, e no final das contas não se importe com o desfecho da trama.

Diego Souza
@diegoosouz

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