Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Juliet, Nua e Crua (2018): comédia romântica sobre amadurecimento tardio

Nova adaptação do escritor de "Alta Fidelidade" supera os problemas de tom e entrega uma aventura íntima e despretensiosa.

A comédia britânica é reconhecida mundialmente por ser de alto teor intelectual, e os próprios britânicos, assim como o clima londrino, são tidos como “cinzentos” e por vezes secos. Unindo isso a escrita de Nick Hornby, conhecido por seus personagens recheados de problemas em relacionamentos, imaturidade e busca por uma condição de vida mais independente, temos uma obra que passeia por outros gêneros como drama, comédia e romance, mas que não se aprofunda em nenhum deles, como pode ser visto em “Juliet, Nua e Crua“.

Duncan (Chris O’Dowd, “O Paradoxo Cloverfield”) e Annie (Rose Byrne, “De Repente Uma Família”) vivem juntos há 15 anos e moram no interior da Inglaterra. Ele é professor, enquanto ela trabalha num museu, onde realiza a curadoria de uma nova exposição. Duncan é um fã ferrenho do cantor de pop/rock Tucker Crowe (Ethan Hawke, “Sete Homens e Um Destino”), que fez muito sucesso em meados dos anos 1990, mas desapareceu no seu auge. Duncan tem uma página e uma comunidade onde se reúne em videoconferência com outros fãs, para debater obras e o paradeiro do cantor, além de um santuário em homenagem ao ídolo. Tamanha devoção atrapalha sua relação com Annie, que com o tempo começa a se tornar insustentável e só piora quando Duncan recebe uma demo do último trabalho de Tucker.

Após ouvir e escrever sobre “Juliet Naked” (título da demo e nome original do longa), Duncan recebe inúmeros comentários, sendo um deles da própria esposa que, indignada, critica a melancolia presente no disco, fato confirmado pelo verdadeiro Tucker Crowe, e ambos começam a trocar e-mails, se identificando bem mais do que imaginavam no processo. Todas as relações presentes no longa mudam após o ocorrido e os núcleos ficam mais claros. O lado fã é logo esquecido para dar lugar as frustrações de Annie, interpretada com competência por Byrne, trazendo leveza e bom humor, mesmo nas pequenas cargas dramáticas que apresenta.

Mas o destaque está no Tucker Crowe de Hawke, um homem de meia idade que tenta desesperadamente consertar um passado que parece não querer se reconectar. Suas relações são as mais superficiais possíveis, seja com ex-esposas ou com seus filhos, ao mesmo tempo em que ele tenta trazer um pouco de sentido (de certa forma tardio), a sua vida. “Juliet, Nua e Crua” acaba sendo bem mais que um filme sobre relações, mas sobre como lidar com as frustrações, e com um destino que parece pré-definido. Annie, por exemplo, trabalha no mesmo lugar que seu pai, e se acomodou, apesar de ainda ter sonhos (a maternidade é um deles, do qual Duncan é contra).

Tucker vive no ostracismo, ainda recebendo royalties de trabalhos anteriores, encostado na garagem de uma das ex-mulheres, mas sai do lugar-comum para conhecer Annie. O desejo de conquistar mais do que aquilo que lhes é permitido parece ser a força que move o roteiro escrito a seis mãos por Evgenia Peretz (“O Idiota do Meu Irmão”), Jim Taylor (“Pequena Grande Vida”) e Tamara Jenkins (“Mais Uma Chance”), baseado no livro homônimo de Nick Hornby. Recheado de músicas pontuais na voz do próprio Ethan Hawke, a direção de Jesse Peretz (da série “Girls“) não foge do convencional, acertando muito mais nos momentos de emoção ao “deixar rolar”, do que propriamente na comédia. Aliás, o diretor teve trabalho ao esconder a gravidez de 6 meses de sua protagonista com planos estratégicos, sempre colocando algo a frente dela ou a filmando de costas.

Mesmo com alguns problemas de tom, principalmente na transição entre gêneros, “Juliet, Nua e Crua” acaba sendo uma daquelas histórias despretensiosas para ser vista num fim de tarde chuvoso, seja ele londrino ou não.

Tiago Soares
@rapadura

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