Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 09 de janeiro de 2019

Dumplin’ (2018): corriqueiro drama feminino sobre aceitação

A história de uma garota que se inscreve no concurso de beleza da mãe por protesto é embalada por canções de Dolly Parton, mas não tem carisma suficiente para atrair aplausos.

Willowdean (Danielle Macdonald, “Patti Cake$”), Will para íntimos, é uma jovem texana super fã de Dolly Parton graças à influência de sua tia Lucy, que praticamente criou a menina com o afeto que sua mãe Rosie (Jennifer Aniston, “Cake – Uma Razão Para Viver”) não estava tão presente para dar. Ex-rainha de beleza, a personagem de Aniston leva bastante a sério sua função como organizadora dos concursos de beleza da cidade e não se importa com os sentimentos da filha ao chamá-la de “Dumplin’”, “bolinho” em tradução livre e nome do filme dirigido por Anne Fletcher (“A Proposta”) com base no livro homônimo de Julie Murphy.

Numa rápida introdução, a trama estabelece o forte relacionamento formador de personalidade entre Willowdean e Lucy, para logo então deixar a garota seguir sozinha neste mundo. Ela enfrenta o luto da perda da tia sem compartilhar os sentimentos com a mãe, que por sua vez também não lida bem com a partida da irmã. O trabalho e a reputação de Rosie nos concursos de beleza, tão distintos da realidade do corpo e dos valores de Will, ajudam a construir a distância entre elas. Bastante críticas uma da outra, Rosie e Will são indivíduos que se gostam, mas vivem em mundos distintos.

A personagem de Macdonald é divertida e confiante, pelo menos superficialmente. Ela concilia escola com o trabalho numa lanchonete ao lado de um crush que parece corresponder a seus sentimentos, mas Will se sente inferior a ele. A garota também passa tempo com a solidária amiga de infância Ellen (Odeya Rush, “Lady Bird: A Hora de Voar”), só que cabisbaixa por não receber a mesma atenção que a mãe dá às meninas dos concursos. No entanto, “Dumplin’” não trata Rosie como uma mãe omissa ao sugerir que a fixação da ex-rainha para organizar o próximo concurso é uma maneira de não pensar sobre a morte da irmã. Como o filme chama atenção, faz seis meses que Lucy partiu, mas Rosie e Will ainda não pararam para conversar sobre isso.

A história ganha uma direção mais clara quando Will encontra uma inscrição não-realizada de Lucy num concurso de beleza do passado e se inspira para participar do evento da mãe como uma maneira de confronto e protesto. Persuadida, Rosie não nega a inscrição da filha nem de outras meninas supostamente desajustadas para o papel de rainha. A partir de então, a trajetória de Will e suas amigas para se preparar para o concurso ganha ares de “Pequena Miss Sunshine”, mas o foco se dá na jornada de autoconhecimento da protagonista e no relacionamento com sua mãe, cujas qualidades também não são devidamente apreciadas pela filha. O arco de Will encontra rima na famosa frase do seu ídolo country: “descubra quem você é, depois seja de propósito”.

O longa tenta ser sentimental, mas o relacionamento passado entre Will e Lucy, que norteia todas as atitudes da menina, não é muito bem construído no início, e isso faz com que o espectador possa ter dificuldades de comprar a imagem da tia como alguém tão especial e inspiradora, como fazem acreditar as drag queens que se apresentam num bar da cidade e conheciam Lucy. A maneira forçada, quase Deus ex machina, em que Will e as colegas entram nesse bar também não favorece a apreciação do roteiro. Como consequência da direção, Macdonald se esforça para sustentar o protagonismo, mas é possível se envolver mais com o resultado das amigas coadjuvantes no concurso de Rosie que com o desfecho da própria Will.

Apesar das questões levantadas, o filme busca inspirar com uma mensagem positiva e gentil sobre beleza, aceitação e autoestima por trás de uma verdadeira ode à Dolly Parton, que também escreveu canções exclusivas para o longa. Os predominantes tons pastéis ajudam a transparecer unidade e leveza, mas a direção do elenco não é coesa e prejudica a obra apesar de cada atriz buscar seu melhor para defender suas personagens. A propósito, talvez por sua maior experiência, a Rosie de Aniston é presenteada com a melhor atuação do filme. Suas nuances a afastam da caricatura da mãe austera, e por seu humor podemos acompanhar seus olhares e pensamentos com empatia. Ao final, “Dumplin’” é um drama de maturidade que tenta agradar, mas não passa do convencional.

William Sousa
@williamsousa

Compartilhe