Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Para Sempre Chape (2018): é muito mais do que o futebol

Emoção é a palavra mais forte para se referir ao documentário, que conta a recente tragédia sofrida pela Chapecoense para mostrar uma história atual de superação no esporte.

A madrugada de 29 de novembro de 2016 acordou o Brasil com uma trágica notícia: a queda do avião que levava a delegação da Chapecoense e alguns jornalistas para a Colômbia, onde ocorreria a final da Copa Sul-Americana. O fato ultrapassou as fronteiras do estado, emocionou todo o mundo e ganhou repercussão de diferentes formas. Os dias posteriores fizeram com que diversas pessoas se lembrassem de onde estavam e como se sentiram após a tragédia, torcendo para que a cobertura trouxesse boas notícias e que houvesse sobreviventes. À medida que as proporções do acidente foram conhecidas, a dor e o sentimento de empatia com os envolvidos se espalharam para além do mundo do futebol.

O documentário “Para Sempre Chape“, dirigido por Luis Ara (“Peru: Tesouro Escondido“), se propõe a contar esse episódio que vitimou 71 das 77 pessoas naquele voo, além dos desafios do clube, dos sobreviventes e dos parentes das vítimas de levar suas vidas adiante. Antes disso, o filme se inicia apresentando a Chapecoense com fotografias, imagens de arquivo, manchetes de jornais e narrações esportivas e jornalísticas que expliquem sua trajetória: a fundação em 1973, a ascensão da série D à série A do futebol brasileiro em 5 anos e o desastre aéreo que freou a campanha até a final da Copa Sul-Americana. Tais momentos são capazes de sensibilizar o espectador já nos momentos iniciais, usando a narrativa e a trilha sonora, mas também a força daquelas imagens.

A emoção é construída gradualmente ao mostrar o fortalecimento de um clube pequeno no cenário nacional, apesar das adversidades. Em 1973, a fundação conviveu com dificuldades econômicas ligadas à falta de um estádio grande e às características de uma cidade pequena de poucos habitantes; nos anos seguintes, sua sobrevivência dependeu da comunhão que se estabeleceu entre clube e cidade de Chapecó, digna de uma relação de apego emocional tanto entre os jogadores quanto entre os cidadãos e o seu time. Toda a força conquistada levou à ascensão à serie A em 2013 e o salto de patamar precoce até para os dirigentes esportivos. A evolução viria algum tempo depois com o sucesso no campeonato sul-americano, chegando à final apesar dos difíceis jogos enfrentados e dos adversários tradicionais vencidos, como o San Lorenzo.

Relembrar os acontecimentos narrados não é a única estratégia para dar o caráter emocional existente. Trajetórias individuais são desenvolvidas como porta de entrada para as experiências trágicas vividas por vítimas ou sobreviventes: os depoimentos de Sirli Freitas, esposa do então assessor de imprensa Cleberson Silva; do jornalista sobrevivente Rafael Henzel; e dos três jogadores sobreviventes Hélio Neto, Jakson Follman e Alan Ruschel. As entrevistas com atletas, dirigentes, jornalistas e torcedores, assim como imagens da festa da torcida e dos bastidores dos jogadores, são outros recursos muito eficiente para o tom cativante da narrativa e seu impacto sentimental sobre o público.

Porém, o clímax do documentário é realmente a abordagem do desastre aéreo e das consequências. Luis Ara imagina o que poderia ter sido o acidente com planos que sugerem a confusão da cabine do avião e com o uso da narração da operadora de voo do aeroporto de Medellín e dos jogadores; em seguida, encadeia diversas sequências emocionantes após o ocorrido que deixaram pessoas de todo o mundo sensibilizadas e sofridas: a notícia sendo transmitida pelos jornais ou pelas famílias e conhecidos das vítimas; o sofrimento de uma cidade que mergulha num luto total; a dura recuperação dos sobreviventes, exemplificada pela luta de Neto a voltar a jogar futebol, e de Follman de redirecionar sua vida após perder uma perna; e a icônica cena em que uma senhora abraça um repórter, enquanto ele tentava trabalhar emocionado, por ter perdido colegas de profissão.

Momentos marcantes também foram as homenagens e a solidariedade endereçadas a Chapecoense. A final da Copa Sul-Americana contra o Atlético Nacional se transformou em uma belíssima decisão do clube colombiano de ceder o título ao clube brasileiro e, além disso, de abrigar uma homenagem aos falecidos em seu estádio. O vínculo afetivo criado entre povos e torcidas, sem ligações fortes anteriormente, deu exemplo de como a solidariedade e a empatia podem aparecer em toda circunstância de necessidade. As mesmas demostrações de amparo e de assistência foram seguidas, posteriormente, por outros times e jogadores brasileiros, comprometidos a ajudar na reconstrução do clube.

Assim, fica claro que “Para Sempre Chape” é um filme de superação a partir de um complexo processo de reconstrução. Nesse sentido, as trajetórias de recuperação de Neto, Follman e Ruschel – sobreviverem e buscarem novas direções para suas vidas – e da própria Chapecoense – reestruturar seu elenco e seu corpo de dirigentes – destacam a força de pessoas capazes de enfrentar traumas tão graves. Podem dizer que faltou abordar os responsáveis pela queda do avião e ouvir relatos de mais torcedores, habitantes da cidade e de profissionais da imprensa, porém seu maior objetivo proposto foi atingido: recontar um episódio trágico da história esportiva brasileira para mostrar a superação realizada nos mais diferentes níveis, para além do futebol. E em tempos de intolerância, preconceito, violência e desesperança, eventos que proporcionaram solidariedade, empatia, união e carinho precisam ser sempre lembrados.

Ygor Pires
@YgorPiresM

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