Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 20 de novembro de 2018

Crítica l O Plano Imperfeito (2018): a comédia romântica que estava faltando

Os anos 90 foram tomados por comédias românticas de muito sucesso. Durante algum tempo esse subgênero foi deixado de lado, mas parece estar voltando aos holofotes.

“A arte existe porque a vida não basta”, disse o poeta brasileiro Ferreira Gullar. É pouco provável que ele estivesse falando de comédias românticas estadunidenses, mas a frase encaixa como uma luva. É bom receber uma dose de amor pueril, nascido de alguns poucos momentos, e assistir às tiradas engraçadas e absurdas, diferente do que a vida costuma trazer no dia a dia. Tudo isso está presente em “O Plano Imperfeito”, dirigido por Claire Scanlon (responsável por vários episódios da série “Unbreakable Kimmy Schmidt”).

Harper (Zoey Deutch, de “Artista do Desastre”) e Charlie (Glen Powell, de “Estrelas Além do Tempo”) trabalham como assistentes de pessoas muito bem-sucedidas. Esta casta de profissionais dedica muitas horas de seus dias a agradar seus patrões exigentes e mimados. Eles funcionam basicamente como babás na casa dos 30 anos de chefes com mais de 40, se esforçando ao máximo para que um dia possam ser reconhecidos por seus verdadeiros talentos.

Enquanto a cativante Harper está sempre a serviço de Kirsten (Lucy Liu, de “Kung Fu Panda 3”), uma jornalista de sucesso que cobre esportes, o charmoso Charlie é o faz-tudo de Rick (Taye Diggs, da série “Empire: Fama e Poder”), um especialista em investimentos. Mas os dois assistentes estão cansados de não terem tempo para nada e decidem unir os seus chefes, em um romance forjado, para conseguir um pouco de descanso. Os protagonistas têm uma evidente química que se desenvolve enquanto eles discutem se a armação está mais para a peça “Cyrano de Bergerac” ou para o clássico da sessão da tarde “Operação Cupido”, e isso faz toda diferença. Já que o argumento não é original, o jeito é surpreender com piadas rápidas por todo o longa, no texto que flui com naturalidade e traz reviravoltas divertidas.

A história é assinada por Katie Silberman (co-produtora de “Como Ser Solteira”), que havia escrito e dirigido o curta-metragem “Party Favors”, no qual um casal de universitários cria um plano para prender seu professor. Qualquer semelhança com “O Plano Imperfeito” não é mera coincidência. Silberman parece ter maturado a ideia por um bom tempo e isso resultou em roteiro bem amarrado, que consegue ser adulto e abordar o mundo profissional, patrões chatos e relacionamentos amorosos, sem perder em momento algum a jovialidade. Outra coisa que os diálogos fazem muito bem é trazer o tema sexo para o meio da conversa, seja de forma séria ou em tom de brincadeira, algo muito bem-vindo a esta retomada das comédias românticas.

O filme também é moderno e cosmopolita sem parecer forçado. O casal de chefes é representado por uma ásio-americana e um afro-descendente, minorias em posição de destaque pela qualidade de seus trabalhos. Os colegas de quarto dos assistentes são pessoas que não têm medo de explorar suas respectivas sexualidades, sem que isso seja mostrado de forma explícita. E o longa consegue apresentar uma Nova Iorque já conhecida, mas com os cartões-postais apenas como ícones ao fundo. Tirando as festas nos rooftops, espécie de coberturas abertas dos prédios, a trama poderia ocorrer em qualquer grande cidade.

O problema é que, ao mesmo tempo em que o longa brinca e quebra alguns estereótipos, como o do jovem adulto que é prontamente reconhecido pela inteligência, ele reforça outros, a exemplo do clichê da modelo fútil. E se no desenvolvimento ele tem suas partes mais divertidas, o terceiro e derradeiro ato é um desfile de obviedades, com direito a lições de moral. Esses deslizes afastam “O Plano Perfeito” de ser algo maior do que uma comédia romântica de estação, somado a falta de grandes cenas, e diálogos criem uma marca profunda no seu público.

Hiago Leal
@rapadura

Compartilhe

Saiba mais sobre