Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 15 de dezembro de 2018

Meu Amigo Totoro (1988): a imaginação que supera dores [CLÁSSICO]

Uma das obras que ajudou a consolidar o Studio Ghibli, "Meu Amigo Totoro" é uma animação simples que se preocupa apenas em lançar um olhar de empatia ao mundo infantil.

O cinema de Hayao Miyazaki (Vidas ao Vento) é composto de criaturas mágicas, proximidade com a natureza, mulheres que desafiam a sociedade e muita criatividade. Este último elemento é visto tanto pelos seus roteiros quanto pela forma como os personagens interagem com o mundo ao redor. O que confere à sua carreira uma qualidade muito peculiar, afinal, o diretor parece acreditar na fantasia que está criando. Esse é o principal fator que consegue carregar o público para dentro de seus filmes: uma vez que embarcar na fantasia, não há como escapar dela.

Em “Meu Amigo Totoro”, Miyazaki nos apresenta a história de Satsuki, Mei e Tatsuo Kusakabe. Eles formam um núcleo familiar incompleto pela ausência da mãe, Yasuko, que está doente no hospital. Para que as filhas tenham um espaço para ficar poder brincar, Tatsuo se muda com elas para uma casa no campo, onde conhecem uma criatura chamada Totoro. É quando a dor da distância e da doença da mãe começa a dar espaço para uma nova amizade.

O quarto longa do diretor, e primeiro a dialogar diretamente com o público infantil, é o resultado de experiências muito íntimas com a construção de uma fantasia típica da infância. A relação das duas garotas com Totoro é a fuga que elas criam para lidar com a mudança para um lugar diferente. E não poderia ser mais bem representada, afinal a figura grandiosa consegue passar ao mesmo tempo o sentimento de conforto, segurança, companheirismo e inocência, além de soar o tempo todo como uma criatura atrapalhada e engraçada. Na sua essência, Totoro é o amigo que elas precisavam para lidar com a dor de não ter a mãe por perto. Não ao acaso, Mei diz que quando sua mãe estiver de volta irá dormir com ela. Essa é exatamente a mesma coisa que Mei faz com Totoro em seu primeiro encontro.

Miyazaki, assim, nos oferece um conto infantil sobre as dores da vida. Falta um ou outro momento para aprofundar a história. Pequenos conflitos são apenas introduzidos, mas raramente desenvolvidos aqui – algo que o diretor passa a aprimorar nos seus filmes seguintes. Isso soa como um roteiro curto que foi esticado para que a produção conseguisse atingir a minutagem mínima para se tornar um longa-metragem, mas nada que atrapalhe a beleza da obra. Ainda temos cenários incríveis e cenas imensas de simples contemplação visual (os quadros das animações do Studio Ghibli costumam ser feitas em grandes telas, para que o enquadramento consiga passear calmamente por toda a paisagem, em grandes panorâmicas ou mesmo com a imagem parada, para que o público consiga sentir toda a imensidão do espaço), tão comuns em sua filmografia.

A falta de profundidade em determinadas temáticas só é lamentada mesmo pela quantidade de personagens interessantes, que poderiam ter núcleos específicos para desenvolvê-las melhor (Vovó, em especial). Mas se histórias secundárias são ausentes, a trama principal é magistralmente conduzida. A paciência exigida por Miyazaki para embarcar nos elementos fantasiosos é compensada desde o primeiro discreto encontro de Satsuki e Mei com as fuligens até a viagem no ônibus-gato. O diretor não tem pressa alguma em apresentar o conflito nem as personagens principais. Quando todas as peças são mostradas, o público já está tão imerso na história que não há como não se envolver. E é apenas nesse momento que nos deparamos com Totoro.

Sem construir um vilão tradicional para desenvolver personagens – aqui, no máximo, a doença da mãe assume esse papel -, Miyazaki nos oferece um passeio pelo mundo de duas crianças. Para superar a ausência da mãe e as dificuldades da mudança, elas se deparam com uma criatura fantástica que assume a forma daquilo que falta às duas, numa narrativa simples, porém empática. “Meu Amigo Totoro” é uma obra que cumpre bem sua função: nos fazer retornar ao maravilhoso mundo das fantasias infantis.

Robinson Samulak Alves
@rsamulakalves

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