Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 09 de abril de 2018

Suburbicon: Bem-vindos ao Paraíso (2017): Clooney quis ser Coen

Em uma sátira de humor negro escrita pelos Irmãos Coen, George Clooney peca na falta de originalidade na direção de uma trama com boas intenções, mas pouco carismática.

Os irmãos Joel e Ethan Coen fazem parte do seleto grupo de realizadores cinematográficos estigmatizados de forma positiva em Hollywood, cujos trabalhos apresentam marcas tão características que é impossível não relacionar as obras aos criadores. Embora tenham escrito argumentos mais “neutros” para outros diretores, como “Ponte dos Espiões” (2015), características como o humor negro e a comicidade fruto do acaso são notáveis em todos os trabalhos comandados pela dupla. Porém, a influência dos Coen em “Suburbicon: Bem-vindos ao Paraíso” parece ir muito além do que simplesmente assinar o roteiro do longa.

Dirigido por George Clooney (“Ave, César!”), a trama começa com um tom de fábula para contar a história de Suburbicon, uma comunidade suburbana habitada apenas com moradores brancos, utopicamente construída sob o sonho de vida americano típico dos anos 1950. Lá vivem os Lodge, família que enfrenta uma situação angustiante após dois criminosos invadirem sua casa e assassinarem a matriarca da família, Rose (Julianne Moore, de “Kingsman: O Círculo Dourado”). A partir disso, sucessivos eventos inesperados acabam se desenrolando com Gardner Lodge (Matt Damon, de “Pequena Grande Vida”), seu filho Nicky (Noah Jupe, de “Um Lugar Silencioso”), e sua cunhada Margaret (também interpretada por Moore), que passa a viver na casa da família.

Embora tenha sido vendida como uma comédia de humor negro, o longa não se trata exatamente disso. Por mais que a história envolvendo os Lodge traga momentos de comicidade típica da filmografia dos Coen, a obra muda constantemente de foco entre eles e os Meyers, família negra que se muda para a comunidade e desperta revolta nos outros moradores. A crítica ao racismo se faz necessária e é bem-intencionada, contudo, Clooney não é capaz de dar nenhuma profundidade à esta trama, aparentando não estar muito confortável em abordar o assunto. Além disso, as duas histórias nunca se cruzam de forma relevante, com os Meyers servindo, no máximo, para mostrar que os moradores eram incapazes de perceber onde estava o real problema do lugar, por se preocuparem apenas com a raça deles.

Enquanto os Meyers não têm voz alguma no longa, os Lodge se perdem na falta de carisma de seus protagonistas muito cartunescos, mesmo com as atuações decentes de Moore e Damon. Ainda que tenha o propósito de marcar a atmosfera exagerada do filme, os personagens acabam sendo desinteressantes. As exceções ficam por conta de Noah Jupe, que parece ser o único ser de inteligência daquele lugar, e de Oscar Isaac (“Aniquilação”), numa participação pequena, porém marcante.

O grande mérito do longa fica na fotografia belíssima e na direção de arte eficiente. O visual pesado é mais um dos muitos aspectos em que os Irmãos Coen influenciam na obra, retratando o lugar com uma aparência exagerada, que lembra muito os cartazes e propagandas que vendiam o American Way of Life na época. A trilha sonora de Alexandre Desplat (“A Forma da Água”) é bastante presente, entretanto, embora seja eficiente na maior parte do filme, por vezes tenta se destacar mais do que a própria história, estragando momentos cruciais de tensão, especialmente no terceiro ato.

Não há como se aprofundar mais sem revelar spoilers, o que estragaria as reviravoltas frequentes na obra. Assim, o que vemos em “Suburbicon” é um produto que aparenta ser dos Irmãos Coen, porém sem o mesmo refino, especialmente ao tratar do gênero satírico e cômico sem a habilidade típica da dupla. Ao invés disso, somos apresentados a duas tramas desunidas e sem harmonia que, aparentemente, só fariam sentido em dois filmes diferentes.

Martinho Neto
@omeninomartinho

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