Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 18 de outubro de 2016

12 Horas Para Sobreviver – O Ano da Eleição (2016): eficiente capítulo “final”

Problemas técnicos e de direção quase ofuscam a crítica social contundente.

No ano de 2013, o realizador James DeMonaco trouxe para os cinemas “Uma Noite de Crime”, uma ideia original para tratar de temas sociais pesados. Durante uma noite por ano, o dia da purificação, todos os crimes deixam de ser penalizados. Com isso, todas as pessoas podem se livrar de suas frustrações, ódio e agressividade reprimidas, o que faria com que a violência diminuísse nos outros dias do ano. Se naquele filme o universo afetado por essa nova lei estava sendo apresentado, em sua continuação, “Uma Noite de Crime: Anarquia”, tudo já está plenamente estabelecido, já existem grupos armados que se preparam o ano inteiro para a purificação. Outras pessoas utilizam essa data para resolverem problemas pessoais, como o ex-fuzileiro Leo Barnes (Frank Grillo). Devido ao relativo sucesso de crítica e público, não tardou para acontecer mais uma continuação, agora com mais críticas sociais e uma produção mais elaborada.

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Em “12 Horas para Sobreviver: O Ano da Eleição”, Leo Barnes tornou-se o chefe de segurança da Senadora Charlie Roan (Elizabeth Mitchell), uma mulher que, além de perder a família, sofreu vários abusos em uma data da purificação e usa suas ideias para o fim do feriado violento como base de sua campanha presidencial. No entanto, os líderes do partido dos “Novos Pais Fundadores” veem Charlie como uma ameaça real aos seus planos de dominação da política americana. Paralelamente a isso, acompanhamos também um outro núcleo que, de alguma forma, está ligado às decisões da Senadora. O comerciante Joe Dixon (Mykelti Williamson), apesar de cético, torce para o fim do feriado. Seu funcionário mais importante, Marcos (Joseph Julian Soria) é outro apoiador da causa, bem como Laney (Betty Gabriel), uma ex-delinquente juvenil que participa de ações sociais, como resgatar vítimas das noites de purificação.

O roteiro, escrito pelo diretor (assim como nos outros filmes da série), é bastante focado nos impactos sociais da purificação. Afinal, as maiores vítimas dos crimes são as camadas mais pobres, pois não tem como construir abrigos seguros, adquirir armamentos ou sequer reunir um grande grupo de pessoas para se protegerem mutuamente. Para isso, insere um grupo paramilitar liderado por Bishop (Edwin Hodge) que acredita que a única saída é a luta armada e medidas extremas para escancarar os absurdos que ocorrem durante o feriado da purificação.

O texto também amplia a percepção do público para o envolvimento da população com os eventos que ocorrem durante a noite da purificação. Há destaque para empresas de seguro, os grupos de resgate de mortos, equipes de paramédicos voluntários, o turismo para “aproveitar a chance de matar como americanos”

Há ainda espaço para críticas a situação política americana atual: a postura do pastor Edwidge Owens (Kyle Secor), concorrente de Charlie à presidência, é muito semelhante à do candidato republicano Donald Trump, além dos slogans de campanha (impossível não relacionar “Uma América Renascida” com “Fazer América Grande de Novo”)

As motivações dos personagens principais são bem construídas. É fácil para o espectador compreender as intenções de todos. Infelizmente, os personagens que orbitam em torno dos núcleos principais não receberam o mesmo cuidado. Os problemas oscilam entre atitudes previsíveis e falta de profundidade, como visto nas reuniões do partido dos novos fundadores ou mesmo as adolescentes que querem se vingar de Dixon. Isso diminui a força dos antagonistas, umas vez que eles não possuem características próprias que gerem alguma empatia ou preocupação.

Outro problema presente em toda a projeção é a falta de coerência na condução de DeMonaco. O diretor tem talento em construir a tensão necessária para algumas situações, como o ritual em uma igreja ou o momento em que um grupo está dentro de um carro forte. Além disso, algumas cenas de ação são realmente de tirar o fôlego, como a perseguição com um drone ou a luta de facas no estacionamento. Em contraponto, há enquadramentos grosseiros, planos mal elaborados e ambientações bastante inverossímeis, até mesmo para um universo exagerado como o da trama e o uso extremamente repetitivo da câmera lenta.

Apesar de apresentar, além dos problemas apontados, alguns erros técnicos graves, como a na mixagem de som (a redublagem de algumas falas, com um texto diferente, chama a atenção, e não de uma boa forma) e pequenos problemas de continuidade, de modo geral “12 Horas para sobreviver: O Ano da Eleição” atinge o objetivo de fechar o ciclo iniciado em 2013 com a apresentação da ideia da noite da purificação, abrangendo várias de suas consequências, de forma mais que satisfatória.

David Arrais
@davidarrais

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