Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Reza a Lenda (2016): muito longe de ser o Mad Max brasileiro

Mesmo com boas cenas e visual interessante, o chamado Mad Max canarinho está longe de se equiparar à sua fonte de inspiração e tem mais forma que conteúdo.

308191.jpg-r_640_600-b_1_D6D6D6-f_jpg-q_x-xxyxxSempre há um lado positivo quando os realizadores do cinema brasileiro se arriscam por vertentes pouco exploradas aqui, o caso dos ainda inéditos e ótimos “Mate-Me Por Favor” (2016) e “Para Minha Amada Morta” (2016). Justamente pelo fato de tentar fundir nosso estilo tão enraizado no social à técnica dos estrangeiros com todas as suas facetas. O que exatamente fez Homero Olivetto, publicitário que no seu longa de estreia juntou elementos do western com o estilo “Mad Max” (1979) e situou a trama no meio do sertão. Uma ideia que inicialmente acabou empolgando e deixando o público curioso para conferir a ousada empreitada.

Se distanciando de mundos pós-apocalípticos ou da ficção cientifica, a história se passa numa pequena cidade do sertão, onde vemos um grupo de motoqueiros, liderados por um homem chamado de Pai Nosso (Nanego Lira), que pela esperança de água tentam roubar a imagem de uma santa, pois reza a lenda que se a estatua voltar para o lugar de origem estes seriam abençoados com a chuva. O artefato, que serve também como macguffin, está de posse do político Tenório (Humberto Martins) que o usa para angariar fundos, explorando assim a fé das pessoas do lugar. Ambas as partes se confrontam em cenas de perseguições cheias troca de tiros, abrindo margem para a comparação citada, além de fazer com que os fatos explorados sejam encarados como possíveis.

O problema está justamente no fato do material não impetrar a credibilidade exigida pela ideia proposta, já que ao longo da exibição a trama se mostra um tanto rasa, com pouco esmero e acaba soando na verdade como uma colcha de retalhos. Vemos inúmeras situações criadas de forma inesperada que causam estranheza e parecem terem sido inseridas no intuito de conseguir criar cenas impactantes do ponto de vista visual.

É verdade que o filme possui planos esteticamente belíssimos, mas ao mesmo tempo soam vazios e têm funções simplórias, diminuindo a importância dentro da narrativa. Aliás, o trabalho fotográfico de Marcelo Corpanni é realmente interessante, conseguindo imprimir a aridez do sertão e conferindo uma atmosfera desértica que não fica devendo a outras produções americanas. A trilha sonora recheada de canções alternativas inova e parece funcionar como contraponto.

O diretor também teve a seu dispor um elenco talentoso, a começar por Cauã Reymond, e se há algo convincente no filme este é o personagem Ara. Reymond consegue carregar o peso do protagonismo e é eficiente tanto nas cenas de entraves quanto nas dramáticas, que por sinal são mínimas. Sophie Charlotte não decepciona e constrói uma Serverina bem badass, ainda que faça às vezes de maluca possessiva. Já a Laura de Luisa Arraes, apesar de ter importância dentro da história e da atriz mostrar comprometimento, não é crível ao ponto de fazer a plateia comprar o seu dilema.

Mas quem leva o posto de figura mais estereotipada é o vilão de Humberto Martins, que chega a ser hilário de tão caricatural. O texto que flerta com o coronelismo traz em Tenório um sujeito mal como o pica-pau, e que, além de todo contexto, mata suas vítimas de forma bastante inventiva, tomando como referência os elementos das festas juninas que vão de balões a fogueiras. O que falar do místico Galego Lorde, interpretado por Júlio Andrade, que de tão sem sentido não se entende ao certo qual a sua serventia no conto.

Então mesmo que o longa possua um visual arrojado, tenha algumas boas cenas de perseguições e planos isoladamente interessantes, numa visão geral “Reza a Lenda” fica devendo e não consegue empolgar como se pensava. No entanto serve como exemplo de ousadia e inspiração estilística para outros autores se aventurarem por novos caminhos. E é importante salientar que nossos realizadores estão cada vez mais trabalhando em projetos distintos e desse modo tornando a nossa cinematografia diversa em vários aspectos.

Wilker Medeiros
@willtage

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