Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 04 de janeiro de 2016

Victor Frankenstein (2015): uma revisão natimorta do Prometeu Moderno

Apesar de uma premissa interessante, essa nova visão da obra de Mary Shelley falha justamente ao trair os elementos que tornaram imortal a obra original, tentando adaptar os conceitos daquele livro em um filme de aventura genérico.

imageAs vezes, reunir os melhores ingredientes da maneira errada pode resultar em uma refeição bem indigesta. É o caso deste “Victor Frankenstein”, nova releitura cinematográfica da magnum opus de Mary Shelley. Desde sua publicação, em 1818, a obra já foi adaptada incontáveis vezes, nas mais diversas mídias. Agora, foi a vez do roteirista Max Landis (“Poder Sem Limites“) e do diretor Paul McGuigan (“Paixão a Flor da Pele“) brincarem com o Prometeu Moderno de Shelley.

O grande diferencial aqui é que a trama é contada pelo ponto de vista de Igor (Daniel Radcliffe), com as origens tumultuadas de sua relação com o genial e imprevisível médico Victor Frankenstein (James McAvoy), primeira pessoa a reconhecer os seus talentos inatos para a medicina. A partir daí, Igor se torna assistente de Victor em seus experimentos, mais precisamente naquele que tornaria lendário o nome Frankenstien.

Tanto Landis quanto McGuigan são muito bem quistos dentro da cultura pop. O primeiro, após o sucesso de “Poder Sem Limites”, engatou o divertido e amalucado “American Ultra” e vem trabalhando em uma merecidamente elogiada minissérie em quadrinhos do Superman. Já McGuigan vem de filmes pequenos, mas deveras competentes, e basicamente deu o tom da cultuada “Sherlock”, dirigindo alguns episódios-chave daquele seriado – não por acaso, vários atores daquela produção trabalham aqui no longa, que conta até mesmo com uma ponta do co-criador da série, Mark Gatiss.

No entanto, os dois não conseguiram encaixar seus respectivos estilos com o espírito da obra. Apesar de entenderem que Frankenstein é o ponto dramático focal da trama (afinal, ele é o Prometeu Moderno pregado por Shelley), eles não trabalham a dinâmica filho rejeitado/pai enojado de maneira interessante, transferem essas relações que deveriam ser entre Victor e sua Criatura para outros personagens, diluindo essa dicotomia e privando-a de seu fascínio original.

Transformar Igor no narrador da história poderia dar um novo foco à trama, algo como o que aconteceu com “O Segredo de Mary Reilly”, onde a história do Dr. Jekyll era contada pelo ponto de vista de sua empregada. No entanto, Igor se transforma no personagem principal, relegando Victor a segundo plano e pouco da personalidade do cientista título é explorado, mesmo pelos olhos de seu assistente.

O ótimo elenco acaba desperdiçado em papéis equivocados. O Igor criado por Daniel Radcliffe certamente merecia um roteiro melhor. Um gênio relegado ao status de atração circense, seu olhar de maravilhamento a ser reconhecido como homem é arrebatador. James McAvoy pouco tem a fazer com seu Victor a não ser parecer mais esperto que todos ao seu redor, sendo triste que seu maior desenvolvimento dramático seja em um subplot natimorto envolvendo Victor e seu pai. Frankenstein é relegado a uma caricatura propensa a surtos maníacos, nada mais,

Chega a ser engraçado ver Andrew Scott, mais conhecido por seu papel como Moriarty, bancando o detetive aqui, mas as obsessões mal explicadas de seu personagem acabam por sabotar o ator. Enquanto isso, a bela Jessica Brown Findlay, tão carismática em “Downton Abbey”, fica relegada a uma mocinha típica. Já a criatura, que poderia ter uma interessante relação fraterna para com Igor ou mesmo pinceladas da relação edipiano com Victor, é apenas um monstro acéfalo.

A estética steampunk adotada por McGuigan é um dos poucos acertos desta produção, que infelizmente será mais lembrada por tentar transformar em uma aventura eletrizante e repleta de vilões e criaturas em CGI uma história que, por necessidade narrativa, pede um clima mais contemplativo. A despeito de todas as peças certas, essa criatura é um ser natimorto.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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