Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 12 de setembro de 2014

A História do Homem Henry Sobel (2014): uma vida por três gravatas

Documentário discute como um passado brilhante pode ser apagado por uma falha humanamente possível.

261140.jpg-r_640_600-b_1_D6D6D6-f_jpg-q_x-xxyxxO esboço de algumas personalidades, mesmo aquelas propositalmente esquecidas pela grande mídia, tende a ficar preso no imaginário popular, principalmente quando esta, de alguma maneira, marcou significativamente em sua passagem pela ascensão pública. Podemos facilmente citar nomes de figuras importantes, dentro de vários cenários sociais, que foram cruelmente depostas ao ostracismo e nem sequer possuíram espaço de defesa, ou até tiveram, mas foram simplesmente ignoradas. Contudo, dentre elas, Henry Sobel é um exemplo que chama bastante atenção não só por seus admiráveis feitos, mas pela tola causa da situação.

É aí então que o estreante cineasta André Bushatsky, que havia trabalhado em pequenos filmes publicitários e branded content para grandes empresas, resolveu comprar a briga e trazer para o cinema um pouco desse debate. De modo que, em uma esquemática e inteligente forma documental, o diretor nos apresenta minuciosamente a biografia do rabino norte-americano Henry Sobel, desde seu nascimento em Portugal até sua passagem, cidadania e formação estadunidense, como também a erradicação brasileira. E logo cedo se mostra preocupado em alertar que Sobel sempre teve uma veia mais progressista (diz ter nojo do fundamentalismo religioso) dentro da Comunidade Judaica, e que muitos adeptos ortodoxos torciam o nariz pelo seu estilo peculiar.

Junto a um grupo de entrevistados, formados por amigos, jornalistas e estudiosos, Bushatsky vai pouco a pouco apontando a importância do rabino para o judaísmo nacional – como tirou pensamentos antissemitas pós-Segunda Guerra e mostrou a bondade emanada dentro da religião referente – e principalmente sua luta contra o regime militar da época. Até justificando aqui o motivo de existir um documentário sobre tal dito-cujo.

Pegando como base o caso do jornalista Vladimir Herzog, morto em 1975 – que havia se suicidado, segundo informações dos milicos, e assim teria que ser enterrado às margens do cemitério como forma de desonra -, o diretor destaca a intercessão e sucesso de Sobel, para que o cidadão fosse sepultado formalmente. Como também mostra a criação de um grupo liderado por ele e membros da Igreja Católica, como o humanista Dom Helder Câmara, que tinha a intenção de trazer a paz e liberdade. Portanto, assim como Helvécio Ratton despontou em “Batismo de Sangue” (2007) o valor dos Freis na Ditadura, André Bushatsky aproveita o ensejo e comenta sobre a luta particular dos Judeus naquele período.

Mas a grande sacada deste documentário está em sua virada, ao fim do segundo ato, já que depois de brilhantemente construir a imagem intocável de Henry Sobel, Bushatsky traz à tona um fato bizarro que destruiu a vida pessoal e profissional do rabino, que envolve o roubo de três gravatas. Após tal acontecimento, que pode ou não ser explicado por transtornos psicológicos e até como um simples erro humano, vemos que todo seu glorioso passado nada mais significa, os inúmeros feitos pouco interessam e sua incrível história é instantaneamente apagada. Imediatamente lembrei-me do ótimo “Simonal – Ninguém Sabe o Duro que Dei” (2009), de Cláudio Manoel, que mostra o total sucesso do mito Wilson Simonal e o desmoronamento de sua carreira, por causa de uma infeliz declaração.

Mesmo Sobel pedindo perdão incansavelmente, de ainda estar envolvido em causas populares, abrangendo o judaísmo em meio a políticas sociais, e ter o apoio de algumas personalidades respeitáveis do âmbito, a massacrante mídia friamente o escanteou e a Congregação Israelita Paulista (CIP), que liderou com afinco por 37 anos, não fez cerimônias ao afastá-lo do grupo. Contudo, apesar do que houve, é sabido que tal deslize jamais poderá se comparar à importância de Henry Sobel para a comunidade judaica e na história brasileira. Mas isso, pelo visto, não interessa a massa. Em todo caso, o paralelo que este episódio nos faz traçar é pungente ao ponto de podermos correlaciona-lo a fatos contemporâneos como, por exemplo, o período eleitoral.

Wilker Medeiros
@willtage

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